Meio Ambiente

A gestão das águas exerce influência direta sobre a saúde humana, mas não é valorizada

John Snow foi o médico inglês que, no século 19, revelou que a cólera é uma doença transmitida por meio da água — e não pelo ar, como acreditavam os cientistas da época. Para chegar à grande descoberta, Snow partiu de uma investigação que fez sobre as relações entre o abastecimento de água do distrito londrino do Soho com a epidemia de cólera que se abateu sobre Londres em 1854.

Ainda que as análises laboratoriais na estação de abastecimento do distrito não provassem de maneira conclusiva o motivo da contaminação, o padrão de disseminação da doença detectado pelo médico foi suficiente para convencer as autoridades locais de que a origem da epidemia estava na água contaminada.

Snow percebeu que o poço que abastecia o Soho estava muito próximo a uma fossa mal estruturada, que permitia o vazamento da matéria fecal que estava infectando a água. A partir disso, o médico comparou a população na qual havia pessoas doentes e que consumiam a água daquele poço com as demais, que consumiam água de outras fontes e que estavam saudáveis.

Ora, a descoberta da forma de transmissão da cólera foi uma grande contribuição dada por John Snow à humanidade. Por esse motivo, o médico é reconhecido como um dos pais da epidemiologia moderna.
Contudo, o estudo do inglês também inaugurou um tipo de raciocínio que se apresenta como extremamente relevante, sobretudo nos dias de hoje.

Gestão das aguas

A forma de pensar de Snow, que levou à descoberta científica tão importante, também demonstra o óbvio: a maneira como a água é gerida causa consequências diretas sobre a saúde humana. Esta conclusão deveria ser uma das determinantes das políticas de gestão dos recursos hídricos, mas nem sempre é o que ocorre.

De acordo com o cientista italiano Giulio Boccaletti, diretor da organização conservacionista norte-americana The Nature Conservancy, para que os investimentos na saúde humana alcancem eficiência verdadeira é preciso também investir na segurança dos recursos naturais existentes no planeta, com atenção especial para os recursos hídricos e para a integridade dos ecossistemas. O raciocínio de Boccaletti é simples e pode ser entendido a partir de um exemplo dado por ele. “O investimento na proteção de uma bacia hidrográfica também pode proteger a biodiversidade e melhorar a qualidade das águas dos rios que lhe estão associados, beneficiando, desse modo, a saúde humana. Mas, se o objetivo for a melhoria explícita da saúde humana, pode ser mais econômico investir simplesmente em uma estação de tratamento de água”, disse o cientista no artigo Gerir água é gerir a saúde, publicado no site Project Syndicate.

Contudo, Boccaletti destaca que é mais proveitoso realizar investimentos que sejam complementares. Ou seja, os investimentos na proteção de um recurso natural poderão melhorar os resultados de outros investimentos que sejam favoráveis à saúde humana e a outros interesses da sociedade.

No artigo que publicou, o cientista destaca exemplos nesse sentido. Como o da agência criada em 1933 nos Estados Unidos e que se dedicou a construir barragens hidrelétricas no Rio Tennessee. De modo mais direto, a geração de eletricidade beneficiou a indústria e a agricultura ao longo do rio. Entretanto, as barragens também permitiram o controle de cheias e melhoraram as condições de conservação de toda a bacia hidrográfica do Vale do Tennessee.

Mas, Boccaletti não considerou somente as obras estruturantes. “Uma análise recente sugere que, em zonas rurais, um aumento de 30% na cobertura arbórea a montante produz uma redução de 4% na probabilidade de doenças diarreicas em crianças – em comparação com o investimento em uma instalação de saneamento”, disse o cientista.

Boccaletti menciona outro estudo que considera que 42% dos casos de malária existentes em todo o mundo poderiam ser evitados, se houvesse políticas corretas voltadas para a utilização do solo, para o desmatamento, para a gestão dos recursos hídricos e para a maneira como as populações são distribuídas.

O cientista destaca ainda que cerca de 40% das bacias hidrográficas que sustentam as cidades encontram-se em níveis de degradação que vai de moderada a elevada. Esta é uma situação que compromete a capacidade de oferta de água, exigindo que sejam feitos pesados investimentos em reservatórios que sejam capazes de garantir as demandas das populações.00