Cultura

Entrevista com o escritor Leo Cunha, que completa 30 anos de literatura infanto-juvenil

Morador do Anchieta desde de 2004, o escritor Leo Cunha está completando 30 anos de dedicação à literatura infanto-juvenil. Nesse período, ele já publicou mais de 80 livros, que lhe renderam vários prêmios — como o João-de-Barro, Jabuti, Nestlé, o Adolfo Aizen, da Fundação Nacional de Literatura Infantil e Juvenil (FNLIJ), da Biblioteca Nacional, e do Concurso Nacional de Histórias Infantis do Paraná, entre outros.

Leo é casado com a publicitária Valéria e pai de Sofia (23) e de André (14), inspiradores de várias de suas histórias. Filho do médico Eunápio Antunes de Oliveira, que também é fonte de inspiração, e da professora Maria Antonieta Antunes Cunha, que é membro da Academia Mineira de Letras e fundadora da editora Miguilim e da livraria de mesmo nome, desde bem pequeno, o escritor se habituou a viver entre os livros.

Mais do que isso, experimentou uma convivência muito próxima com a literatura voltada para crianças e para adolescentes, o que teve forte influência sobre a sua formação profissional. Aliás, uma formação que se tornou bastante eclética, como ele próprio assume.

Leo é graduado em Jornalismo e em Publicidade, pós-graduado em Literatura, mestre em Ciências da Informação e doutor em Belas Artes, com pesquisa sobre Cinema. Mas, como ele conta nessa entrevista para o Comunidade Ativa, tudo isso formou um ótimo caldo que o ajuda na atividade literária.

CA – Em 30 anos de carreira literária você já publicou mais de 80 livros. É uma bela marca, não é?

Leo Cunha – Realmente, as pessoas às vezes se espantam quando veem: “Nossa, 80 livros publicados!”. Parece uma produção frenética, mas, na verdade, não é isso. Quem escreve literatura infantil, juvenil, como é o meu caso, especialmente no caso dos livros infantis, escreve livros curtos.  São livros com 30, 40, 50 páginas, mas com muitas ilustrações. Então, o texto corrido é curto. São algumas poucas páginas.

É claro que durante um ano eu escrevo muito mais do que algumas páginas. Se pensar só em texto para o público infantil, eu escrevo, rescrevo, edito, e consigo completar três, quatro, até cinco textos. Nem todos vão ser publicados, evidentemente. Então, se a gente pensar em 80, 90 livros num espaço de 30 anos, dá uma média de três livros por ano, o que torna esse número menos impactante.

O importante é que eu tenho essa produção constante. Isso que eu acho que é o mais legal. Muitas vezes o escritor publica um, dois, três livros e aí desanima e para. Não faz aquele sucesso todo logo no início e muda de gênero ou abandona. Eu, como eu tive a sorte de logo nos primeiros livros ganhar prêmios, ter reconhecimento, eu mantive esse ritmo, essa constância ao longo de 30 anos, e cheguei á marca bacana de 80 livros ou até um pouco mais do que isso.

CA – Na sua produção predomina a literatura infanto-juvenil e isso faz lembrar de uma declaração atribuída a Monteiro Lobato, que teria se arrependido de escrever para adultos. Ele teria dito que se fosse para voltar ao mundo novamente seria para escrever mais histórias para crianças. Se você pudesse voltar atrás, continuaria escrevendo para crianças?

Leo Cunha – Sim. Eu não vou dizer que, se eu voltasse atrás, teria escrito as mesmas coisas. Isso é muito difícil de dizer. Inclusive, às vezes, eu leio alguns textos meus dos meus primeiros livros e fico pensando como eu cheguei àquele texto, como a ideia veio, como o trabalho de linguagem veio. Às vezes são coisas meio inexplicáveis. O texto tem muito a ver com o momento que você está vivendo, com o que que você está lendo naquele momento, com toda a sua experiência.

Eu sou uma pessoa bem diferente do que era 30 anos atrás, com outras leituras, com outras experiências, com outras felicidades e tristezas e gostos e desgostos. Mas, tenho muito orgulho dos livros que eu publiquei, que eu escrevi. Eu continuaria escrevendo para o público infanto-juvenil, que é o tipo de livro com o qual eu sempre convivi.

Desde a livraria da minha mãe, lá, quando eu era criança e adolescente, e até hoje, ainda continuo vivendo muito nesse mundo. Conheço a grande maioria dos escritores, dos ilustradores e editores da literatura para criança e para adolescentes no Brasil. Gosto muito acho que é um universo muito bacana. Por mais que às vezes ainda seja visto com desdém por quem não conhece esse universo ou por quem só escreve ou só lê literatura para adultos, às vezes considera como se fosse uma coisa menor.

Mas eu não tenho essa visão de jeito nenhum. Eu acho que a literatura infanto-juvenil é de altíssima qualidade. Tem textos, imagens, projeto gráfico e livros, considerando o conjunto, com obras de altíssima qualidade.

Outra coisa bacana de escrever para esse público são as muitas oportunidades que a gente tem de conversar com o leitor. Eu vou muito a escolas, a feiras de livros, a eventos literários no Brasil inteiro e tenho muita oportunidade de conversar, de responder perguntas, de trocar ideias. No campo da literatura adulta são menos as oportunidades que os autores têm de ter essa interação. Eu gosto muito. Sempre que me convidam, eu faço questão de participar.

Além disso, eu acho que a gente que está escrevendo tem uma certa responsabilidade, entre aspas, no sentido de que é na infância que a criança está aprendendo a ter o contato com a leitura, está conhecendo o grande barato que é a literatura, essa arte da palavra, de criar universos e ideias e imagens, mais no sentido figurado, e personagens e situações e visões de mundo. Então acho que a literatura para a infância tem essa responsabilidade, tem esse papel de ajudar a formar leitores. É algo que me agrada muito que eu acho muito importante no Brasil

CA – O senso comum anda dizendo que a literatura não está vivendo seus melhores momentos, que o interesse pela leitura vem diminuindo muito ultimamente. Ver livrarias fechando ajuda a acreditar nisso. Mas, você apresenta evidência contrária. Em geral, o gosto pelos livros começa bem cedo e, pela sua produção intensa, que tem livros esgotados, publicados em novas edições, dá pra concluir que a garotada continua gostando de ler. E então? A literatura está ou não está com problema de público? O livro tem futuro?

Leo Cunha – O senso comum não está correto nesse caso. Nunca se publicou tanto. Na verdade, tem muitas editoras. Nos anos 70 e 80, por exemplo, existiam cinco ou dez editoras que publicavam para esse público infanto-juvenil. Hoje em dia tem 100 editoras, muito espalhadas pelo Brasil inteiro.

Muitas editoras pequenas, ao lado de outras gigantescas. Ao mesmo tempo que a gente tem os grandes grupos editoriais, que publicam dezenas de livros, tem várias, muitas editoras pequenas que publicam três, quatro livros por ano, mas que são de altíssima qualidade. Ganham prêmios e se destacam junto à meninada.

Eu acho que não estamos num momento ruim não. Claro, tem toda essa ligação dos jovens com as telas, com os videogames, com mídias sociais. Na minha época, claro que eu passava muito mais tempo lendo do que vendo televisão, por exemplo.

Hoje em dia, são muitas opções. Além do livro e da televisão, tem todas essas opções. Todos esses outros tamanhos e formatos e realidades de telas diferentes.

Mas eu acho que a literatura continua muito forte. Especialmente até os 11, 12 anos, do Ensino Fundamental I, em que existe uma ligação com a leitura muito forte, especialmente no universo da escola.

Não sei como vai ser o futuro, mas me parece que que a literatura infantil ainda tem muitos anos de vida, no livro, que tem essa coisa da ilustração, do papel, do folheado, de compartilhar leituras. Eu acho que isso ainda vai longe.

CA – Você foi criado no meio dos livros. A professora Maria Antonieta, sua mãe, foi a criadora da livraria Miguilin, que você gostava de frequentar. Ou seja, é fácil concluir que tudo isso influenciou a sua decisão de se tornar um escritor. Essa ideia de literatura acompanha você desde aqueles tempos de criança e adolescente?

Leo Cunha – Com certeza, ser criado no meio dos livros foi muito importante. Quanto mais a gente convive com livros, com histórias, com narrativas em geral, mais chance tem de se tornar um bom leitor.

Quando eu falo “bom leitor”, é claro, de literatura, mas também da vida, do mundo, das pessoas. A literatura tem essa capacidade de abrir os olhos para outras maneiras de enxergar o mundo, para conhecer um grande número de personagens, de emoções, de sensações, de dilemas, de conflitos e isso ajuda a gente a entender melhor o mundo. Entender melhor as relações entre as pessoas entre pais e filhos, entre amigos, irmãos, alunos e professores.

Todas as relações humanas são objetos da literatura, como das outras artes também. Mas a literatura tem uma força de a gente poder entrar nos vários pontos de vista, nas mentes dos narradores e dos personagens de uma maneira que em outras artes não é tão profundo. Na literatura você consegue acompanhar o pensamento, a visão de mundo de um personagem ou de um narrador.

Nas outras artes essa presença muito forte de um narrador pode ficar forçada ou maçante. Nas outras artes a gente está sempre vendo um pouco distanciado, meio de fora, aqueles personagens no cinema, no teatro.

Na literatura você pode até ser o personagem. Você pode ler o livro como se você fosse o personagem, como se você estivesse na cabeça daquele personagem.

CA – Quando a literatura foi tomando proporções profissionais, você já pensava em escrever para crianças e adolescentes? 

Leo Cunha – Sempre pensei. Exatamente por ter crescido no universo da literatura infantil, na livraria e na editora da minha mãe eu conheci muitos profissionais da área. Escritores, ilustradores, editores, designers, vendedores, livreiros, distribuidores, todo esse universo. Eu me encantei muito por esse mundo e principalmente pelas histórias, pelos livros, pelos poemas. É um campo fascinante e, desde o início, eu me voltei pra ele.

Eventualmente, eu escrevo alguns poemas ou crônicas que não têm esse público infantil em mente. Mas, quando eu começo a escrever, quase sempre eu já estou pensando em me dirigir à infância.

Quando falo em infância, falo das crianças. Mas, também falo da infância do adulto, do idoso. O bom livro infantil é aquele que está falando com essa infância, que o adulto também pode se interessar e se encantar pela história ou pelo poema

CA – Em entrevista recente  para o Sempre um Papo você disse que não começou a escrever para crianças seguindo o que muitos autores fizeram quando tiveram filhos ou netos e se sentiram estimulados a escrever pra eles. Grande parte dos seus 30 anos como escritor se deu em meio à experiência como pai. Mas, você começou a escrever para o público infanto-juvenil antes…

Leo Cunha –  Ao contrário de outros escritores, eu não comecei a escrever quando tive filhos. Existem muitos escritores que começam a escrever para crianças quando têm filhos. Eles estão escrevendo para aqueles filhos e às vezes os meninos crescem e às vezes eles param. Aquilo já não traz tanto interesse, tanto gosto pra eles, que estavam escrevendo para contar histórias, para dialogar, para participar desse universo imaginário e da fantasia e das emoções da infância. Aí, os meninos crescem e eles param.

No meu caso, eu já escrevia dez anos antes de ter filhos, praticamente, e depois que meus filhos cresceram eu continuo mais 20 anos escrevendo para o público infantil, embora os meus filhos já estejam com 14 e com 23 anos.

Mas, eu entendo aqueles escritores que passam só um período da vida escrevendo para as crianças. Mas, é porque eles não são realmente apaixonados pela literatura infantil. Eles estão interessados em conversar com os filhos, em contar histórias para os amigos dos filhos, para os filhos ou eventualmente para os netos. Mas no meu caso eu estou falando para as crianças, para a infância que está aí em qualquer leitor.

CA – Muitas vezes a vida familiar é pano de fundo, dá a ambientação ou é o motivo principal de uma trama infanto-juvenil. A sua família é fonte de inspiração para a sua criação?

Leo Cunha – Sim. Já escrevi várias histórias inspiradas em alguma cena que aconteceu com o meu filho ou com minha filha, ou em algum diálogo ou situação que eu vivi. Por exemplo, Dedé e os tubarões (Escarlate, 2013) é inspirado numa conversa que eu tive com o meu filho André.  O Castelos, princesas e babás (Dimensão, 2015) é inspirado numa cena que aconteceu com a minha filha Sofia. Mas são vários momentos ou às vezes frases que inspiraram histórias, inspiraram poemas.

Por exemplo, o André, quando tinha quatro anos, uma vez chegou em casa com um daqueles saquinhos de lembrancinhas de festa e eu perguntei “o que você gostou mais” e ele falou “eu gostei dessa língua de sobra”. Língua de “sogra”, claro. Mas, como ele não sabia o nome, falou língua de “sobra”, que é uma palavra comum para a criança, que sabe o que é sobrar. Mas, a palavra “sogra” ele não sabia o que era. Então, pra ele fazia sentido que aquilo chamasse língua de sobra, porque você sopra aquele negócio e ele sobra pra fora da boca.

Eu achei aquilo muito bacana! É aquele erro criativo e usei em um poema e como título de um dos meus livros, que é Língua de sobra e outras brincadeiras poéticas (Cortez, 2018).

Esse tipo de sacada da criança, um insight que ela tem sem nem perceber que aquilo é poético ou o que eu chamei de erro criativo, eu aproveito muito nos meus livros, nos meus poemas.

Os meus filhos continuam sendo inspiração, assim como outras crianças. Mas, os meus pais também me inspiram. Eu tenho vários casos e crônicas em que eu cito o meu pai, por exemplo, que é uma figura muito divertida. É um cara meio fora de órbita, que faz algumas coisas muito inusitadas. Então, eu tenho crônicas sobre ele no livro Manual de desculpas esfarrapadas (FTD, 2020), no livro Ninguém me entende nessa casa (FTD, 2011), em De memes e memórias, crônicas para curtir compartilhar (Editora do Brasil, 2021).

Em quase todos os livros de crônicas eu cito algum caso, alguma história do meu pai e dos meus avós, da minha mãe, de outras pessoas da família. Ou seja, como a gente está imerso no ambiente familiar, tudo aquilo ali pode inspirar uma cena, um personagem. Mesmo que você, ao criar, vá transformar aquilo em outra coisa. Mas, como ponto de partida é uma inspiração forte.

CA – A crônica frequentemente serve como porta de entrada para que o jovem passe a se interessar pela literatura e caminhe para outros estilos. Houve uma geração que teve na coleção Para Gostar de Ler o atrativo para a leitura. Você acha que poderia haver maior produção de crônicas como aquelas do Drummond, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino & Cia. que torne o acesso do jovem à literatura de crônicas mais prazerosa pra crianças e adolescentes?

Leo Cunha – A coleção Para Gostar de Ler foi muito importante na minha infância. Especialmente aqueles primeiros volumes com os quatro grandes: Drummond, Paulo Mendes, Rubem Braga e Sabino. Depois teve as outras edições, com o Carlos Eduardo Novaes, com Lourenço Diaféria, entre outros grandes cronistas. Eu acho aquela coleção fantástica.

Hoje em dia, existem alguns autores que que escrevem crônicas para jovens. Eu continuo escrevendo vários livros de crônicas para adolescentes, que geralmente fazem um apanhado de crônicas que eu publiquei em jornais ou nas redes sociais ou que eu escrevi para o livro, pensando nesse público jovem, em que eu uso uma linguagem bastante coloquial, com perguntas, chamando o leitor para o texto. Eu acho que usar esse recurso de criar uma intimidade funciona bem na crônica para adolescentes. Cria um clima como se eu estivesse contando a história no pé do ouvido do leitor.  Funciona muito bem para adolescentes e eu faço isso muito e também tem outros cronistas que fazem isso.

Acabei de lançar um livro em parceria com a escritora Rosana Rios, que é uma grande escritora infanto-juvenil, com mais de 100 livros publicados, e esse é o primeiro livro de crônicas dela. Nessa parceria, a gente fez o livro O rock manda lembranças (Elo, 2022) que conta histórias ligadas a shows, discos, programas de rádio, festas, várias situações envolvendo a música, principalmente o rock. Eu e a Rosana somos roqueiros, gostamos muito de rock. Mas, é um livro também para leitores que não forem roqueiros. Leitores que tiverem alguma relação especial com a música, que gostam de ir a shows ou que querem pedir ao pai para deixar ir ao show ou que gostam de ouvir algum programa, que gostam de algum objeto (ligado à música), como um disco ou um CD ou os MP3 da vida. Enfim, todo mundo que tem alguma relação mais próxima de afeto, de paixão com a música, seja com rock, seja com outro gênero, acho que vai curtir esse livro.

CA – Você tem uma formação acadêmica bastante eclética. As várias áreas de conhecimento que você buscou têm pontos de convergência? Como influenciam o seu processo criativo?

Leo Cunha – Acho que sim. Embora eu tenha uma carreira acadêmica muito dispersa — que vai para o Jornalismo, para a Publicidade, depois pós em Literatura, mestrado em Ciências da Computação, doutorado em Cinema na Escola de Belas Artes, é como se eu estivesse atirando para vários lados, o que de certa forma é verdade, é um ecletismo muito forte —, tudo tem um caldo comum, que é esse interesse por contar histórias, pelas narrativas. Como contar histórias, como criar personagens, como criar situações que interessem, que envolvam os leitores, como construir situações divertidas, o que vi especialmente no meu doutorado em que eu estudei o humor, a narrativa cômica.

Tudo isso, de alguma maneira está interligado. Na minha cabeça tudo isso está interligado. Está me ajudando a entender melhor a narração, a linguagem, o texto poético, o texto narrativo e como isso pode ser mais rico, como isso pode ser entendido de maneira mais profunda e de maneira a me dar ideias pra eu desenvolver os meus textos.

CA – A literatura infantil, principalmente, tem um conteúdo de ilustração, que é essencial e você já falou em outras entrevistas sobre as parcerias que tem com vários ilustradores. Os ilustradores acabam sendo seus parceiros também na autoria, influenciando as histórias, ou é você quem diz qual caminho deve ser seguido?

Leo Cunha – Os livros, infantis, quase todos, são texto e imagem. É um diálogo entre o texto e a imagem, seja uma história, seja um poema, seja uma crônica, de alguma maneira, tem uma imagem que vai dialogar com ela e o ideal é que essa imagem não repita o que está no texto. Pelo contrário. Que ela amplie, que ela crie novas leituras, que ela faça a sua própria leitura daquele texto. É uma leitura privilegiada de um artista visual — de um ilustrador, de um pintor, de um designer — e essas coisas dialogam.

Como eu não tenho talento nessa área de ilustração, de design, conto sempre com parceiros e tenho muita sorte. Já trabalhei com praticamente todos os principais ilustradores da literatura infanto-juvenil brasileira. Vou citar alguns: Eliardo França, Rui de Oliveira, Roger Melo, André Neves, Graça Lima, Marilda Castanha, Nelson Cruz. Enfim são dezenas de ilustradores, muito diferentes entre si, cada um com seu estilo, com a sua marca. Alguns mais divertidos, outros mais poéticos, alguns mais figurativos, outros mais estilizados.

Cada um tem o seu jeito de fazer o livro, mas sempre se adequam à proposta daquele livro. Como eu disse, eu tive essa sorte de ter muitos parceiros e é interessante que, muitas vezes, eu fiz livros em que primeiro veio a imagem, depois o texto, o que é coisa rara. São poucos os escritores que trabalham assim.

Com dois ilustradores, principalmente, o Alex Lutkus e o Salmo Dansa, eu fiz vários livros dessa forma. Eles me mandarem uma imagem ou uma ideia visual ou um grupo de imagens e eu criar uma história ou um projeto de livro de poemas ou contos a partir daquela imagem. É algo coisa que me agrada muito, que é bem diferente do mais comum, que é o texto vir primeiro. É claro que eu fiz dezenas de livros que o texto veio primeiro. Mas, eu acho legal essa proposta de inverter a ordem e o meu texto servir quase como uma ilustração da imagem. Como algo que vai ampliar aquela imagem, assim como a imagem faz quando o texto vem primeiro.

CA – O Kindle (dispositivo eletrônico para leitura de livros digitais) é um espetáculo para muitos, mas deixa a desejar para outros, que não abrem mão de folhear o livro . Porém, como a ilustração é essencial para o livro infantil, as crianças podem ser vistas como as salvadoras do livro impresso?

Leo Cunha – Eu leio muita coisa no Kindle. Mas, é pra literatura adulta. Para aquele texto que precisa da imagem, da ilustração, da cor, do papel, do folhear, que tem aquela coisa tátil mesmo, sensorial ali, a tela ainda não substitui. Não sei se algum dia vai substituir.

Eu espero que não. Eu, que sou apaixonado pelo por esse prazer tátil da leitura, acho que isso ainda não vai acontecer. Mas, como repositório, para reunir vários textos, vários livros, o Kindle e outros aparelhos têm o seu papel.

CA – O bom humor é algo que é claro em você e que está evidenciado na página Trocadilhos de Quinta  do Facebook…

Leo Cunha – Desde muito pequeno, eu sou apaixonado pelo humor, pelas comédias, pelos humoristas. Seja na televisão, seja no cinema, seja no teatro. Eu cresci vendo as peças de Maria Clara Machado, que eram muito divertidas. Cresci vendo muitas comédias no cinema. Eu adorava. Até hoje gosto muito. O meu doutorado acabou sendo sobre os heróis cômicos, sobre o cinema de humor e a construção dos personagens cômicos. É algo que eu sou apaixonado.

Eu tenho a página Trocadilhos de quinta ao lado do escritor Henrique Rodrigues. A gente criou isso há oito anos. Toda quinta-feira, a gente posta lá alguma notícia, uma imagem curiosa e as pessoas entram e comentam somente com trocadilhos. Às vezes dá 30, às vezes dá 50, às vezes da 100 comentários numa semana. Tem um grupinho que volta toda semana e é muito bacana. A gente se se diverte muito uns aos outros criando trocadilhos a partir daquele mote, daquele estopim da semana.

O humor fantástico. Eu sou uma pessoa muito bem humorada. Viver a vida e enxergar a vida de forma mais leve, na medida possível, é importante.

CA – Muitos dos seus livros são indicados para fazer parte dos planos de estudos das escolas. Mas, você já disse em entrevista que não escreve para ensinar, mas para entreter. Porém, mesmo assim, acaba que, de alguma forma a leitura ensina. O entretenimento é uma ferramenta pedagógica importante? Como o ensino se torna mais atrativo quando nele o entretenimento está presente?

Leo Cunha –  Essa é uma questão importantíssima. Eu parto do princípio de que a literatura é uma arte que serve para mexer com as pessoas, para divertir,  para emocionar, para assustar, para provocar. Tudo isso é fundamental. A arte não deixa a pessoa incólume, seja o espectador, o leitor, o ouvinte. A arte mexe com a gente.

Agora, é claro que ao fazer isso a arte também passa uma visão de mundo daquele autor, a maneira como ele enxerga os conflitos, as relações humanas. Mas, isso não é ensinar.

Quando falo que eu não gosto da arte ou de livros que têm papel didático, que estão interessados em ensinar, é quando eles põem esse ensinamento, a lição de moral, a lição de comportamento, de bons modos, seja o que for, acima do caráter literário. O autor quer que todo mundo leia para chegar naquela conclusão, para concordar com ele.

Não é isso que é literatura e nem a arte.  A gente não faz arte para alguém concordar com a gente. A gente faz a arte para cada um ler da sua maneira. Uns vão rir, achar muito engraçado, outros vão achar menos engraçado. Uns vão se emocionar muito, outros vão se emocionar menos. Cada um vai relacionar com a sua história de vida, com as pessoas que já conviveu, com as emoções que já passou, com tudo o que já leu.

Uma obra de artes está abrindo janelas, está abrindo o leque, ao contrário de uma obra que tem um objetivo pedagógico ou didático e que está querendo que as pessoas aprendam e concordem com uma questão específica. Eu acho que são movimentos quase opostos.

CA – Você mora no Anchieta desde 2004. Como é a sua relação com o bairro?

Então, ano que vem vou fazer 20 anos que moro n o bairro. Curiosamente, eu frequentava o Anchieta desde pequeno, porque, quando era criança, eu tinha um grande amigo que morava na Rua Odilon Braga, o Ari Fernando. Hoje ele é um grande advogado, professor de Direito na PUC. Eu ia muito à casa dele, na Odilon Braga.

Eu gosto muito do bairro. Moro em uma parte bem plana, perto de toda a muvuca da Francisco Deslandes, e acho que é um bairro muito gostoso de viver. Primeiro, é muito prático. Tem de tudo aqui ao redor. E é muito tranquilo. Eu gosto de circular, gosto muito de andar a pé, subir e descer as ruas, de ir aos restaurantes, às lojas. Praticamente todos os dias eu vou no shopping, na livraria, no supermercado, na farmácia e não é necessariamente para comprar. É para circular mesmo.

Aqui ainda tem um clima de bairro tradicional, interiorano quase, que não é aquela loucura da cidade. Eu praticamente não saio muito daqui, a não ser para viajar. Eu viajo muito a trabalho. Mas meus pais moram também a dois quarteirões. Então, se dependesse de mim e eu ficava por aqui. Gosto muito de viver e de conviver no Anchieta.

CA – De alguma forma, a região interfere na sua criação?

Talvez a tranquilidade me ajude a escrever, a ter o meu momento de introspecção, de concentração. Como assunto, eu não lembro de ter escrito algo de específico sobre o bairro. Mas, alguma cena que aconteceu na fila do banco, no supermercado, com certeza eu já escrevi sobre isso em crônicas. Já escrevi crônicas que aconteceram nesses ambientes.