Cidadania

Aos 72 anos, Declaração dos Direitos Humanos pode servir no combate à pandemia

por Carlos Alberto Rocha *

Escravidão, tortura, assassinatos em massa, humilhações e explorações de todos os tipos e a violação do equilíbrio da natureza são algumas das inumeráveis atrocidades que, ao longo da história, a humanidade tem imposto a si mesma. Buscando amparo em princípios religiosos, étnicos, culturais ou simplesmente se apoiando na mera vilania, individualmente ou em grupo, há humanos que se julgam investidos de algum tipo de autoridade superior e, ocasionalmente, até de ordem divina que os permite violentar outros humanos, como se, por motivos cuja legitimidade somente os violentadores reconhecem, lhes coubesse esse direito.

Foi com base nessa deturpação de valores, afinal, que, por meio da força e da maldade, a tirania tentou dominar a civilização em várias ocasiões. Como consequência, a morte, a destruição e o sofrimento sem medidas se disseminam entre os povos e destrói o nosso planeta, às vezes assumindo proporções globais. Como as que abalaram a Terra em consequência da Segunda Guerra Mundial.

DUDH

Não por acaso, sobre as ruínas da Europa e da Ásia, sustentada no pesar que se formou diante das milhões de pessoas que morreram durante o conflito e com vistas no número imenso de sobreviventes que ficaram famintos e sem lar, em 1948, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas entendeu que era necessário firmar um documento que relacionasse princípios que deveriam reger as ações de toda humanidade. Assim, sob a liderança da ex-primeira dama dos Estados Unidos Eleonor Roosevelt, viúva do presidente Franklin Delano Roosevelt, apenas três anos após o término da guerra, foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).

É importante lembrar que, em 1789, sendo parte de um processo revolucionário que pretendia definir a liberdade, a igualdade e a fraternidade como os princípios que deveriam orientar a humanidade, a Assembleia Nacional francesa já havia produzido a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Contudo, regido pelos valores sociais da época, mesmo servindo de inspiração para a iniciativa das Nações Unidas, o documento não era suficiente para garantir a defesa dos direitos de todos os humanos.

Afinal, a declaração francesa não contemplava a realidade do século 20. Tanto que, por exemplo, ela considera que “todos os homens nascem e são livres e iguais em direito”, numa concepção que, notoriamente, não inclui as mulheres, o que era normal naquele tempo.

Proteção na pandemia

Equivocadamente, em pleno século 21, a DUDH às vezes é atacada por pessoas que não percebem o real significado de um documento, que existe, inclusive, para proteger a elas mesmas. Outras, é claro, são adversárias da declaração por que reconhecem que ela contraria interesses de dominação e de usurpação do poder que querem conduzir o que desejam que outros conduzam. Porém, felizmente, as vontades escusas não são admissíveis, o que acontece, justamente porque existe uma consciência global sobre os direitos da humanidade, que são adotados como princípios aceitos pela comunidade internacional.

Com base nesta aceitação, em 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou o lema “Recuperar-se melhor – Defender os direitos humanos” para, no dia 10 de dezembro, celebrar os 72 anos da DUDH. Em plena pandemia, o apelo da ONU se foca na necessidade de esforços de reconstrução que são tão necessários na atualidade e que devem ser adotados como demonstração de respeito aos direitos de todas as pessoas.

Afinal, percebendo a Covid-19 como um dos muitos desafios sociais que constituem uma verdadeira sindemia — uma definição sobre a sinergia de várias pandemias —, faz-se necessário o combate em várias frentes. Nesse sentido, reconhecer os direitos de todas as pessoas se apresenta como uma ferramenta indispensável para que ninguém seja deixado para trás nesse momento tão delicado na história da humanidade.

Carlos Alberto é presidente da Amoran