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O que fazer com a ansiedade dos cães após a pandemia?

Se antes da pandemia os cães ficavam ansiosos quando os tutores saiam de casa e se apresentavam especialmente felizes quando voltavam, agora, com a família o tempo todo disponível para eles, é normal que estejam se sentido mais confortáveis com toda a atenção que estão recebendo neste período. Porém, também é possível que eles se sintam desamparados quando as pessoas voltarem à normalidade, podendo até mesmo desenvolver a chamada Síndrome de Ansiedade de Separação (SAS).

Mas, o que pode ser feito para lidar com este problema?

Atenção para grupos especiais

De acordo com a consultora em comportamento animal Letícia Orlandi, os profissionais especializados em comportamento canino são unânimes em considerar que haverá um aumento significativo da SAS quando os tutores voltarem a sair com maior frequência. Porém, o fenômeno deve acontecer de maneira especial com os seguintes grupos de cães:

  • os que anteriormente sofriam de ansiedade leve ou moderada ou que já foram tratados por essa razão;
  • os recém-adotados e que nunca ficaram sozinhos por muitas horas desde que chegaram à nova casa;
  • os que não apresentavam sinais da ansiedade por separação previamente, mas, devido à falta de planejamento dos tutores, sofrerão com a mudança brusca da rotina.

Felizmente, segundo a consultora, é possível tomar medidas para prevenir o problema, desde que ele seja detectado e enfrentado de maneira correta.

Sinais de ansiedade

Letícia explica que a ansiedade pode ser detectada a partir de sinais que o animal apresenta e que devem ser valorizados. Portanto, antes de tudo, é preciso entender estes sinais, que, segundo a especialista, podem ser detectados a partir das seguintes manifestações:

  • uivos, latidos e choro em excesso;
  • fazer necessidades fora do lugar, mesmo se o cachorro já foi treinado;
  • mastigar ou comer objetos não comestíveis, cavar tapetes e pisos, arranhar portas e janelas (mas, atenção: a destruição de objetos, isoladamente, pode ser apenas tédio ou frustração e não necessariamente ansiedade);
  • apresentação de respiração ofegante e saliva em excesso, fora do costumeiro para o animal.

A partir destes sintomas, é fundamental tomar as medidas apropriadas. “Não caia na armadilha de que, com o tempo, o animal vai perceber que os tutores vão retornar para casa. Se for deixada sem tratamento, a SAS costuma piorar”, alerta a consultora.

Dessensibilização e contracondicionamento

Para enfrentar a SAS, Letícia destaca orientações que são defendidas pela professora Patrícia McDonnell, da Universidade de Winsconsin-Madson, nos Estados Unidos, que é referência mundial no assunto. Entre as principais está o controle das próprias emoções dos tutores.

“É preciso mostrar ao cão que suas chegadas e partidas não são motivo de empolgação ou de ansiedade. Sim, é difícil não ficar super animado quando chegamos em casa e vemos aquele rabinho balançando. Mas, precisamos ser fortes. O ideal é ficar em silêncio e manter os cumprimentos bem discretos e calmos”, diz Letícia. A consultora considera que, para o tutor ou a tutora se sentir melhor, ele pode até dizer baixinho para o cão “te amo, fique bonzinho”, fazendo isso sem demonstrar a própria emoção naquele momento, o que é para o bem do animal. Desta maneira, é possível dar início a um plano de dessensibilização e contracondicionamento.

A boa notícia é que não é difícil condicionar um cão a se sentir confortável quando você sai de casa. A parte ruim é que esse trabalho exige alguma paciência, que as pessoas podem não ter de sobra no momento. Mas, até para esta condição há saída, como mostra a consultora.

O passo a passo do plano

Para facilitar a adoção do processo de dessensibilização e contracondicionamento, Letícia indica um passo a passo que é relativamente simples de seguir.

Confira!

  1. Utilizando a câmera do celular, do notebook, do tablet ou câmeras baratas, monte um sistema de vigilância para acompanhar as reações do cão quando ele estiver sozinho.
  2. Prepare um brinquedo que possa ser recheado com algum alimento apropriado e que seja seguro e deixe à disposição do animal. Outra opção é oferecer as refeições em um comedouro lento ou em porções espalhadas pela casa  — nos moldes “caça ao tesouro”.
  3. Em alguns momentos, respeitando as regras de distanciamento e de uso de máscaras, todos da família devem se ausentar da casa, deixando o animal sozinho.
  4. Comece saindo por apenas alguns minutos. O ponto de partida depende da sua rotina atual e do quanto o cão está dependente. Se ele nunca ficou sozinho desde que foi para sua casa, então comece bem de leve. E se ele já demonstra sinais de ansiedade por separação, “leve” significa apenas colocar a mão na maçaneta da porta, algumas vezes, sem sair, enquanto ele come petiscos. Ou pegar as chaves e colocar o sapato algumas vezes, até que o animal considere isso como ações normais. Esse procedimento vale mesmo para que já trabalhava em casa antes da pandemia. Afinal, é provável que, antes, a pessoa saísse um pouco mais do que atualmente.
  5. Para avançar no processo sem causar sofrimento, é importante acompanhar os comportamentos que o cão apresenta, que poderão ser observados pelas gravações do sistema de vigilância. Por exemplo, será possível observar se ele late ou uiva e se vai até a porta repetidas vezes. Outros sinais de alerta são ele não tocar na comida, destruir objetos e arranhar portas e janelas.

“Nunca dê broncas ou castigos. Isso vale para qualquer comportamento de qualquer cão, mas é altamente relevante para a SAS. O cão pode parecer culpado ou dar a impressão de que sabe o que faz quando você chega em casa e encontra tudo destruído. Mas ele não sabe. Essa postura apaziguadora do animal, que é confundida com culpa, só aparece porque ele está sentindo medo e quer evitar sua reação. Repreender um animal nessa situação, seja de forma leve ou exagerada, provavelmente fará com que sua próxima saída tenha consequências ainda piores”, ressalta a consultora.

Medidas adicionais

Letícia considera que podemos reduzir o nível de ansiedade dos cães no geral, e não só quando estamos ausentes. “Conseguimos isso com treinos de comando e circuitos de atividades e também com desafios mentais propostos pelas ferramentas de enriquecimento ambiental. Um treino especialmente recomendado para este período é ensinar os comandos ‘casinha’ ou ‘caminha’ e ‘fica’, com o humano ausentando-se do cômodo por períodos de tempo cronometrados” diz.

Deixar a TV ligada em canais específicos para cachorros  — como o DogTV —  ou o notebook conectado com playlists do YouTube — como o canal Relax My Dog — também são recomendações dadas pela consultora. “Música clássica também pode funcionar bem”, ela indica.

Letícia destaca a existência de ferramentas coadjuvantes aos treinos e às ausências programadas. Inclusive, há as que utilizam feromônios para acalmar os cães — como o Adaptil, disponível em difusor e spray no Brasil, e no formato coleira, para quem tem facilidade de comprar fora do país. “O produto é uma cópia sintética do feromônio reconfortante emitido naturalmente pela cadela durante a amamentação”, explica.

A consultora ainda fala sobre a existência de dispositivos eletrônicos que prometem acalmar o animal por meio de pulsos eletromagnéticos, sem efeitos colaterais  — Calmer Canine. “Também é possível utilizar canabidiol, composto químico não psicoativo da planta Cannabis sativa. Esses recursos têm sido adaptados do tratamento em humanos e ainda são alvo de estudos mais abrangente em animais não humanos. Por isso, a indicação sempre deve ser feita pelo veterinário”, recomenda.

Segundo Letícia, o veterinário também por ser consultado sobre nutracêuticos — compostos bioativos presentes nos alimentos que desempenham papéis importantes na saúde — que têm efeito relaxante para os cães.

Ajuda profissional

Mesmo não sendo de grande complexidade, tendo em vista o detalhamento e a delicadeza dos processos e as várias possibilidades existentes, e possível que o tutor ou a tutora não sinta segurança para adotá-los por conta própria. Para estes casos e para aqueles em que a pessoa busque maior comodidade e resultados mais efetivos, a especialista considera oportuna a contratação de um profissional da área que possa auxiliar nas ações. “Além do profissional de adestramento e de educação canina positiva, eu sugiro os serviços de passeador, de pet sitter profissional e de creche/escola para cães. Estes serão grandes aliados na futura retomada, porque esses profissionais e serviços especializados poderão oferecer atividades de enriquecimento da rotina e gasto de energia, ampliando o bem-estar do animal como um todo”, recomenda Letícia.