Saúde & Qualidade de Vida

A perda de olfato pode ser causada por outras doenças, além da Covid-19

Nosso olfato nos acompanha desde que nascemos e, o tempo todo, nos apresenta sensações variadas. Elas podem ser prazerosas — como a do cheirinho gostoso do pão de queijo que acabou de ser assado —, de alerta —como a provocada pela panela esquecida no fogo — ou de repugnância — que surge quando nos deparamos com alguma coisa em decomposição, por exemplo. Estamos tão habituados a sentir cheiros e reagimos a eles de forma tão automática que uma possível perda de olfato logo se apresenta como uma hipótese inusitada e preocupante.

De fato, a possibilidade de passarmos por essa experiência adquiriu maior evidência a partir da pandemia da Covid-19, uma vez que ela se apresenta como um dos sintomas provocados pelo novo coronavírus. Contudo, deixar de sentir cheiros também pode ser um sinal de outras doenças.

Além da Covid

Hoje em dia, é inevitável associar a perda de olfato à Covid-19. Porém, o sintoma também pode ser resultado de doenças neurodegenerativas, que incluem a esclerose múltipla , ParkinsonAlzheimer .

Um estudo publicado pelo periódico Esclerose Múltipla e Doenças Relacionadas aponta que 38% das pessoas que sofrem com a doença  também perdem o olfato. O jornal da Sociedade Americana de Geriatria, por sua vez, indica uma relação da demência com  a perda do olfato, com o sintoma se manifestando até cinco anos antes de a doença se tornar evidente. Outro artigo publicado no jornal científico Hindawi indica que cerca de 96% dos pacientes com Parkinson apresentam comprometimento olfativo.

Por anos, a anosmia — como a perda total do olfato é conhecida no meio médico – foi ignorada como sendo um indício de doenças neurodegenerativas. Contudo, atualmente, ela vista como um marcador importante, que pode trazer vantagens para os diagnósticos.

Isso porque o distúrbio que se apresenta na área olfativa do cérebro ocorre muito antes de surgirem manifestações em outras regiões cerebrais. Portanto, testar a capacidade das pessoas de perceberem cheiros pode ajudar a identificar uma doença anos antes de ela ser diagnosticada de forma específica, permitindo então que sejam iniciados tratamentos que retardem ou até que evitem as manifestações mais graves.

Outras causas

Entretanto, a deficiência olfativa não se desenvolve somente em função de doenças neurodegenerativas. Cerca de  19% da população  têm algum tipo de disfunção de olfato, que pode ser a perda total, a anosmia, ou a hiposomia, que é a redução da capacidade de detectar odores.

A perda do olfato também pode estar ligada a condições de saúde mental relacionadas à depressão , à esquizofrenia e à distonia, um distúrbio do movimento que faz com que os músculos de uma pessoa se contraiam de forma incontrolável.

Em 2016, um estudo descobriu que os homens — mas não as mulheres — com sintomas de depressão também tendiam a ter um olfato ruim. Ao mesmo tempo, aqueles que se sentiam solitários geralmente tinham uma capacidade reduzida de identificar cheiros diferentes. Outra pesquisa conectou o olfato defeituoso ao aumento da mortalidade , sugerindo que este pode ser um sinalizador do envelhecimento ou de alguma doença.

Outro estudo, realizado com mais de 2.200 pessoas com idades entre 71 e 82 anos, descobriu que aquelas com olfato ruim apresentavam risco 46% maior de morrerem em um período de dez anos do que as que apresentavam olfato normal.

Vínculo do cheiro com a saúde

Em entrevista à BBC, o professor Carl Philpott, que ensina Rinologia e Olfatologia na Universidade de East Anglia, na Inglaterra, disse que a relação entre o olfato e a saúde pode ter conexão com a forma como no alimentamos. “Um terço dos pacientes com perda de olfato come em excesso e outro terço dos pacientes come pouco”, disse Philpott, com base em dados obtidos em um estudo próprio. Segundo o professor o sentido do olfato representa mais de 70% dos sabores que experimentamos, o que explicaria por que perder esse sentido pode afetar o apetite de uma pessoa.

Honglei Chen, professor de Epidemiologia e Bioestatística da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, identificou que as deficiências do olfato podem aumentar a exposição do paciente a ambientes adversos, o que aumentaria o risco de uma morte prematura.

Faz sentido. Afinal, com o olfato em ordem uma pessoa consegue reagir mais prontamente a sinais de perigo. Em posição contrária, se ela não consegue perceber cheiros, poderia permanecer exposta a riscos fatais — como o de não se dar conta de um vazamento de gás de cozinha, por exemplo.

Exercitando o olfato

Em nível neurológico, deficiências no olfato podem levar a mudanças cerebrais duradouras. As áreas do cérebro que estão mais envolvidas na percepção de cheiros diminuem, como também diminuem aquelas menos relacionadas aos odores, mas que são importantes para outras funções, como as de controle motor, de pensamento racional e de processamento das emoções.

Segundo os especialistas, o lado bom da história é que essas áreas que encolhem devido à perda do olfato podem voltar a crescer, caso a pessoa recupere o sentido. Quando isso acontece, os mecanismos envolvidos com os cheiros se expandem, melhorando o quadro do paciente. Isso significa que as terapias de restauração do olfato podem representar técnicas de grande eficácia no tratamento de doenças.

Thomas Hummel, que dirige a Clínica de Olfato e Cheiro da Universidade de Dresden, na Alemanha, desenvolveu o treinamento de olfato, que, por 10 minutos, duas vezes ao dia, expõe os pacientes a uma combinação de odores. Embora a técnica não funcione para todos, ela tem demonstrado eficácia em melhorar a capacidade olfativa de 40% dos pacientes tratados .

Terapias como a de Hummel são indicadas para pessoas que apresentam perda ou enfraquecimento no olfato devido a uma variedade de condições, como as causadas pela Covid-19 e por doenças neurodegenerativas. Também existem medicamentos disponíveis para casos assim, mas eles não são os mais indicados, uma vez que podem apresentar efeitos colaterais.

Há também outras terapias sendo desenvolvidas para aqueles que perderam o olfato. Uma delas é a estimulação elétrica de uma área específica do cérebro, que é feita por meio de eletrodos que modificam a atividade cerebral e que podem melhorar o olfato do paciente.

O professor Yusuf Cakmak, que leciona Anatomia na Universidade de Otago, na Nova Zelândia, explica que os neurônios olfativos também têm terminais em áreas do cérebro que estão envolvidas nos processos da memória e da navegação, indicando que a proteção desses neurônios pode levar a outros benefícios. Atualmente, Cakmak trabalha em um dispositivo semelhante a  um par de óculos, que tem como função estimular o sistema nervoso olfatório, com potencial para aliviar os sintomas ou suprimir a progressão de doenças como Alzheimer e Parkinson.

Os testes clínicos dos óculos de Cakmak devem começar no final de 2021 e, se apresentarem resultados satisfatórios, em um futuro próximo, poderemos utilizar o aparelho para proteger nosso olfato. Enquanto isso não acontece, devemos valorizar ainda mais esse sentido, que é tão importante para as nossas vidas.