Cidadania

Em tempos de dificuldade econômica, a saída pode estar no consumo sustentável

Nessa época em que a economia anda instável, colocando os preços em patamares acima do que a renda familiar consegue suportar confortavelmente — quando consegue —, pensar sobre como ocorrem as relações de consumo torna-se uma necessidade. De fato, diante da pressão que a cada dia se torna maior sobre o bolso, não dá para tentar adaptar a situação à máxima do limão e da limonada. Porém, nada impede que o momento seja aproveitado de forma positiva em algum aspecto.

Afinal, as dificuldades de agora podem servir como treinamento para novos hábitos que não só ajudarão a manter as contas equilibradas no presente e no futuro, como também contribuirão para que as pessoas causem menor impacto sobre o meio ambiente.

No consumismo, o distúrbio e a displicência

É bastante óbvio que o consumo é algo que não podemos dispensar e essa consideração não deve ser observada apenas pelo ponto de vista das necessidades básicas de sobrevivência, como as de alimentação, abrigo e higiene pessoal. Afinal, as pessoas também precisam de educação, cultura, lazer e — por que não? — de alguns mimos, que fazem bem para o corpo, para alma e para as relações com o outro e tudo isso as leva a consumirem.

Contudo, o problema surge quando o consumo é subvertido e adquire contornos de exagero. Por exemplo, isso ocorre quando consumir deixa de ser um meio de acesso ao que precisamos ou ao que gostaríamos de adquirir de forma racional e passa a ser uma finalidade ou uma compulsão. Ou seja, o consumo pelo prazer do próprio consumo — ou a consumoterapia —, o que é um dos aspectos preocupantes.

Esta é uma condição, inclusive, que pode chegar a níveis extremos, quando o consumidor perde o próprio controle, gasta sem medidas, inclusive com artigos sem nexo para a vida, e chega até ao endividamento. Esta é uma situação que pede alguma intervenção profissional, como a de um psicólogo, por exemplo. “Ao longo do tempo, a proporção dos gastos se torna algo absurdo, influenciando não só a vida do consumidor, como também de sua família”, diz a psicóloga Tatiana Filomensky, coordenadora do Grupo de Oniomania — nome técnico dado ao distúrbio que leva ao consumo compulsivo — do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Porém, felizmente, nem sempre a vontade de consumir chega a essas proporções, o que não quer dizer que não peça uma atenção especial. É preciso considerar que também existe o consumo irresponsável, que ocorre quando a pessoas não se planeja de forma adequada e consome displicentemente. É esta maneira de consumir que também gera desperdícios e outros efeitos colaterais extremamente negativos — como o dá geração excessiva de resíduos ou do descarte incorreto de materiais.

As dois tipos de consumidores — compulsivos e descontrolados — adotam hábitos de consumo que extrapolam as reais necessidades, gerando o indesejado consumismo, uma condição que precisa ser combatida. Vencer essa batalha vale muito a pena, uma vez que da vitória surgem oportunidades para a economia de dinheiro e de recursos naturais e também, como bônus, há a possibilidade de a pessoa se tornar mais consciente sobre como ela pode atuar em benefício dela própria, em benefício das pessoas que a cercam e, claro, em benefício de todo o planeta.

Quase sempre, há margem para economizar

A sensação que as pessoas têm no atualidade é de que o cinto já foi apertado até onde poderia. Afinal, com toda a crise provocada pela pandemia e por outros fatores nacionais e internacionais, a elevação dos preços nos mais variados setores vem obrigando o brasileiro a consumir menos do que gostaria, ainda que de maneira compulsória. Porém, em alguns aspectos ainda há margem para economizar.

Tomando como referência apenas o setor de eletricidade, por exemplo, é possível verificar que, mesmo com a pandemia, a sociedade brasileira reduziu em apenas 1,4% o consumo elétrico, na comparação com 2019. Esta informação consta do Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2021, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia, que consolida informações de 2020. Levando em conta o anuário 2020, que aponta um incremento de 1,6% no consumo elétrico brasileiro em 2019 em relação ao ano anterior, isso significa que, a despeito da dificuldades geradas pela Covid-19, no ano passado, ainda consumimos mais eletricidades do que em 2018.

Além disso, dados da Resenha Mensal do Mercado de Energia Elétrica, também da EPE, apontam uma perspectiva de elevação significativa do consumo de eletricidade em 2021, na comparação com 2020, o que, pelo ponto da recuperação econômica, é até positivo. Afinal, a elevação no consumo de eletricidade denota que a economia está voltando a girar.

Porém, sempre é necessário levar em conta o quanto desse consumo maior não se deve a desperdícios, fazendo isso como parte de um exercício de raciocínio que pode ser estendido para todas a demais área.

A sustentabilidade é o segredo

O termo sustentabilidade, que está tanto em voga, parte do princípio bastante simples que diz que uma coisa ou situação qualquer só pode permanecer se for dada a ela as condições de permanência e esse princípio vale para tudo na vida, inclusivo para as relações de consumo. Portanto, o primeiro passo para o consumo sustentável é dado no momento em que tomas consciência da forma como consumimos.

Contudo, é importante compreender que consumir de forma consciente não significa que a pessoa deva se transformar em uma eco-chata ou em uma sovina. Bem disso, tomando como referência os princípios da sustentabilidade é possível consumir com maior eficiência, sem perder a boa qualidade de vida e os prazeres e benefícios que ela proporciona.

Aliás, a economia obtida com e eliminação de desperdícios, por exemplo, ou com o combate ao consumo compulsivo pode proporcionar uma reserva financeira que possa ser utilizados em outras atividades, inclusive de consumo, e, eventualmente, até beneficiar outras pessoas. Tome como exemplo o desperdício de alimentos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 17% de todo o alimento que é produzido no mundo é desperdiçado. Isso significa que, segundo a própria ONU, 931 milhões de toneladas de alimentos vendidos no planeta em 2019 foram parar no lixo.

Caso houvesse maior planejamento dos intermediários do comércio de produtos alimentícios e maior consciência por parte dos consumidores a realidade poderia ser bastante diferente. Todo aquela comida desperdiçada poderia ter sido direcionada para as mais a imensa parcela da população mundial que sofre com a insegurança alimentar. De acordo com relatório das ONU, em 2020, cerca de 811 milhões de pessoas estavam nessas condições em todo o mundo. 

Mas, não precisa ser assim. A atenção para o que consumimos, o quanto consumimos, como consumimos e para o que descartamos após o consumo pode dar início a um ciclo virtuoso de sustentabilidade. Pra isso, basta força de vontade e informação sobre as melhores formas de consumir.