Meio Ambiente

O aquecimento global e o negacionismo climático

Há alguns anos, quem imaginaria que em plena primavera belo-horizontina os termômetros marcariam temperaturas próximas dos 40° C, como as que ocorreram recentemente. Junte a isso tantas outras ocorrências do clima e do tempo — como o regime de chuvas completamente alterado, as mudanças bruscas que ocorrem em um mesmo dia, os longos períodos de seca e as tempestades destruidoras, entre outras — e teremos um quadro que algumas pessoas ainda podem considerar inusitado, mas que, na verdade, não deveria causar qualquer surpresa.

Afinal, o fenômeno do aquecimento global, responsável pela situação do clima que o planeta enfrenta, é conhecido há mais de um século e os efeitos que ele pode produzir têm sido estudados de forma intensiva nas últimas décadas. Em função disso, desde os anos 1980, as mudanças climáticas têm motivado uma série de acordos internacionais que são baseados no conhecimento que os cientistas obtiveram sobre o assunto ao longo da história.

Ainda assim, por vários motivos, principalmente políticos, econômicos e ideológicos, a questão do clima ainda não alcançou aceitação suficiente para que as medidas de contenção — como diminuir as emissões de gases de efeito estufa, por exemplo — sejam adotadas com a velocidade necessária.

Desde o século 19

Em 1896, o químico sueco Svante Arrhenius fez as primeiras conexões entre as emissões de CO2 — o principal gás de efeito estufa — com a elevação de temperatura do planeta. Porém, o Prêmio Nobel de Química que o sueco conquistou em 1903 foi resultado dos trabalhos desenvolvidos por ele no campo da eletrolítica, sem nenhuma ligação com suas teses sobre o aquecimento global. Estas, pelo contrário, fizeram com que o cientista fosse ridicularizado por outros pesquisadores — os antepassados dos atuais negacionistas do clima —, que refutavam a ideia de que houvesse uma espécie de estufa conservando o calor sobre a Terra. O tema do aquecimento global demoraria várias décadas para alcançar protagonismo nas pesquisas científicas. Até o final dos anos 1960, os estudos sobre o clima visavam mais o caráter de previsão dos fenômenos que poderiam influenciar o cotidiano das pessoas e as atividades agrícolas do que os impactos negativos que poderiam provocar sobre o planeta — como o derretimento de geleiras, desertificação, extinção de espécies, empobrecimento ou eliminação completa de biomas etc..  ]

Na década seguinte, contudo, as pesquisas climáticas já se encontravam mais avançadas, com a grande maioria dos cientistas preocupados com o aquecimento global.

Era do Gelo

Porém, mais ou menos em sintonia com os adversários do sueco Arrhenius, uma corrente contrária à elevação da temperatura do planeta tentou se impor nos anos 1970. Com base em dados do clima coletados entre as décadas de 1940 e 1960, que indicavam um resfriamento da Terra, uma pequena parcela de pesquisadores chegou a afirmar que, ao invés de aquecer, o planeta estaria se aproximando de uma nova Era do Gelo. Por outro lado, a maior parte da comunidade científica entendia que a realidade indicava a perspectiva dos termômetros marcarem temperaturas cada vez mais altas.

Mesmo sendo minoria, a tese do resfriamento da Terra, e não do aquecimento, ganhou alguma notoriedade na imprensa, o que acabou criando uma danosa confusão na opinião pública. Tanto que, ainda hoje, quando as temperaturas batem recordes seguidos, é bastante comum o combate às evidências científicas, que muitas vezes são refutadas por notícias falsas.

Como, por exemplo, a que foi atribuída à revista Time, que nega ter publicado uma matéria que trataria de uma Era do Gelo imaginária.

Levando o assunto a sério

Ao longo da década de 1980, finalmente o tema do aquecimento global passou a ser tratado com a devida importância e os  debates climáticos começaram a acontecer em nível cada vez mais elevado. Porém, sem uma unidade de pensamento e sem uma entidade que os representasse, os cientistas ainda não alcançavam a necessária atenção dos governos e muito menos da sociedade.

Esta situação começaria a mudar em 1988, quando o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, do inglês Intergovernmental Panel on Climate Change) foi finalmente criado pelas Organização das Nações Unidas (ONU). Atuando no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o IPCC é uma organização científica que busca exercer influências sobre as políticas ambientais das diversas nações, fazendo isso por meio da síntese e da divulgação sobre o conhecimento de ponta referentes às mudanças climáticas.

Após a criação do IPCC, as alterações do clima da Terra começaram a atrair a atenção da comunidade internacional. Graças à relevância adquirida pelo tema, em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, que ficou mais conhecido como Rio 92, foi estabelecido o tratado internacional da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que conta com 197 países signatários, incluindo o Brasil.

A UNFCCC se dedica a buscar os meios de prevenção e de correção dos efeitos das ações humanas sobre o clima da Terra. Pra isso, os países que assinaram o tratado se reúnem anualmente na Conferência das Partes (COP), com o objetivo de decidirem conjuntamente os rumos que devem assumir as políticas ambientais de cada um, tendo em vista as influências sobre o clima.

Como resultado dessa união internacional em torno das mudanças climáticas e com as nações cada vez mais esclarecidas sobre as motivações humanas do aquecimento global, uma série de medidas foi definida, dando origem a acordos internacionais que visam, sobretudo, estabelecer metas para a redução nas emissões dos gases de efeito estufa. Como principais, que inclusive contam com a assinatura do Brasil, cabem destaques para o Protocolo de Quioto, definido em 1997 na cidade de Quioto, no Japão, e o Acordo de Paris, firmado na capital francesa em 2015.

Uma verdade inconveniente

Nos anos 2000, usando argumentos de fácil compreensão e apoiado em gráficos sobre a situação climática e em fotografias registradas em várias partes da Terra, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore iniciou uma verdadeira cruzada de esclarecimento da população mundial a respeito da responsabilidade humana sobre o aquecimento global. A partir das gravações realizadas em suas palestras, o vice da administração Bill Clinton produziu o documentário Uma verdade inconveniente (2006, dirigido por Davis Guggenheim), que popularizou ainda mais o tema. Todo o esforço valeu a Gore o Prêmio Nobel da Paz, que em 2007 ele dividiu com o UNFCC.

Compartilhando das mesmas preocupações de Gore quanto à degradação acelerada pela qual o planeta vem passando nos últimos anos e suportados por vasta documentação e por parâmetros científicos, mesmo que nem sempre diretamente ligadas ao tema do aquecimento global, inúmeras personalidades que têm visibilidade internacional se tornaram porta-vozes das causas ambientais. A modelo brasileira Giselle Bundchen, os atores Robert Redford, Jeff Bridges e Leonardo de Caprio, o cantor Bono Vox e o bilionário Richard Branson, fundador da Virgin, são algumas das muitas celebridades que compreendem a necessidade de mobilizar a população mundial em favor da Terra.

Na mesma linha de raciocínio, a juventude também já se manifesta sobre a urgência do assunto. A adolescente sueca Greta Thunberg, que liderou as greves nas escolas pelo clima e que tem viajado pelo mundo todo falando sobre o assunto, conquistando a atenção, inclusive, de governantes, certamente é a melhor exemplo do ativismo jovem sobre as causas ambientais.

Contudo, outra grande verdade inconveniente permanece. Em sentido contrário, estimuladas por interesses que não incluem o meio ambiente em suas pautas, ainda que em menor quantidade, um número significativo de pessoas continua alheia ao problema do clima. Pior do que isso, muitas delas se esforçam para manter posturas — como as de promover queimadas e tantas formas de destruição de biomas, o uso indiscriminado de combustíveis fósseis, de plástico, entre outras agressões — que, comprovadamente, afetam o planeta de forma extremamente negativa, inclusive a ponto de torná-lo mais quente.

Negacionismo

Uma pesquisa do Instituto Datafolha apontou que, em 2019, 15% dos brasileiros não acreditavam que o planeta estivesse aquecendo. Entre os que percebiam a elevação das temperaturas, 10% não vincularam a ação do homem ao fenômeno.

Portanto, fica claro que, mesmo diante das evidências apresentadas por levantamentos sobre as mudanças climáticas, os negacionistas climáticos são movidos pela falta de informação — 11% dos entrevistados pelo Datafolha nunca tinham ouvido falar sobre o aquecimento global —, pela distorção de informações, por teorias da conspiração ou pelo alinhamento político e ideológico.

Grande parte destas pessoas é movida por personalidades internacionais, que acabam servindo como referência para as argumentações negacionistas. Entre elas está o meteorologista britânico Piers Corbyn, que alega haver uma agenda internacional por trás das alegações dos cientistas. Não por acaso, Corbyn tem sido figura constante nos protestos contra as ações de isolamento social adotadas na Inglaterra e é um ferrenho ativista do movimento antivacina. Também vale lembrar que, em 2018, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump desacreditou um relatório preparado pelos seus próprios assessores da área ambiental e que atesta o aquecimento global com base em extensos levantamentos.

Enquanto isso, os termômetros, que não se deixam levar pela desinformação, permanecem indiferentes a quem se opõe às observações da ciência. Em Belo Horizonte e no mundo todo eles continuam subindo, ano após ano.

 

Para mais informações sobre os temas abordados nessa matéria, acesse os links disponíveis ao longo do texto. Eles remetem às fontes utilizadas aqui. 

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