Cultura

Entre várias as simbologia desta época, o Kwanzaa valoriza aquelas que remetem à união entre as pessoas

Mesmo em tempos de normalidade, sem uma pandemia assombrando as pessoas, estamos em uma época do ano em que é comum surgirem questionamento sobre os valores e sobre os significados que movem as celebrações desse período e que foram profundamente transformados ao longo da história. De fato, das festas pagãs, que, com a chegada do inverno no Hemisfério Norte, celebravam o fim de um ciclo, até a atualidade consumista, muita coisa mudou no espírito e nos símbolos que motivam e que caracterizam o período festivo em que estamos.

Talvez o melhor exemplo dessas mudanças esteja na principal, que se refere à atribuição dada ao dia 25 de dezembro que, no original da Roma antiga, era consagrado ao deus Mitra, uma divindade solar especialmente lembrada no início do frio inverno do norte, quando o sol se torna ainda mais valorizado. Foi justamente essa a data escolhida para se tornar o Natal cristão, criado para celebrar o nascimento de Jesus, o próprio Deus, que na manjedoura se apresentou aos humanos na forma de uma criança.

Ainda pelo cristianismo, também foi desenvolvida a figura de São Nicolau, o bispo que viveu na atual Turquia entre os séculos 3 e 4 e que, por causa da fama de ser bondoso com as crianças, se transformou no Papai Noel das fantasias infantis, estimulando a tradição de presentear a elas e a todas as pessoas queridas. Ora, foi justamente essa tradição, que gera ganhos consideráveis para o comércio e para a indústria, que levou o próprio Papai Noel a passar por mais transformações.

Depois de ser o santo turco e de ter inúmeras outras representações em figuras variadas — inclusive a de um elfo da mitologia nórdica —, no século 19, Noel recebeu pelo menos 33 diferentes caracterizações, dadas pelas mãos do cartunista americano Thomas Nest. Foi Nest quem, em 1881, criou uma versão do bom velhinho que se aproxima da que conhecemos hoje. Porém, a figura mais popular viria com a ilustração de Haddon Sundblom, produzida em 1831 para uma campanha publicitária da Coca-Cola.

Assim, entre o paganismo, a religiosidade cristã e o materialismo publicitário, as festas de final de ano e os significados que elas encerram foram mudando e cedendo mais espaço a princípios de consumo e de satisfações pessoais. Contudo, mesmo com tantas transformações, a memória de que estamos em uma época propícia para valorizarmos princípios de união entre as pessoas se mantém viva e é justamente esta valorização que o Kwanzaa procura desenvolver nas pessoas e nas comunidades.

Ativismo negro

Ainda que tenha inspiração em antigas tradições da África, o Kwanzaa foi uma invenção deliberada do americano Maulana Karenga, professor de Estudos Africanos e ativista negro que, nos anos 1960, não se conformava com a dominação consumista e com a origem essencialmente europeia que caracterizam o Natal. Karenga acreditava que aquele tipo de celebração prejudicava a cultura negra e entendia que era preciso buscar valores próprios, que estivessem em conformidade com a ancestralidade africana que, para ele, estaria se perdendo nos Estados Unidos.

Para estabelecer as bases de um novo tipo de celebração, que estivessem de acordo com as origens da população negra americana, Karenga buscou um conjunto de símbolos e de práticas culturais existentes em todo o continente africano. De maneira especial, o professor acreditava que os festivais anuais da colheita — nos quais os povos se reuniam para comemorar os resultados do trabalho coletivo — eram o modelo adequado a ser seguido na construção  da família, da comunidade e da cultura popular .

Com este pensamento, Karenga encontrou na palavra kwanzaa — que na língua suaíli significa primeiro e que está associada à colheita dos primeiros frutos — a síntese do que pretendia. A partir daí, em 1966, o ativista estabeleceu o período compreendido entre 26 de dezembro e 1º de janeiro para celebrar o Kwanzaa.

Símbolos de união

Sem nenhum conflito com outras celebrações religiosas ou culturais, o Kwanzaa pode ser visto como uma manifestação cultural repleta de simbologias que são muito apropriadas para um tempo de confraternização. Harmonizando-se muito bem com outras culturas e com valores adotados por diferentes povos, a comemoração se transformou em uma tradição nos Estados Unidos e também chegou a outros países. Há grupos que celebram o Kwanzaa no Canadá, em países do Caribe, na Inglaterra e inclusive no Brasil.

As palavras em suaíli umoja (unidade), kujichagulia (autodeterminação), ujima (trabalho coletivo e responsabilidade), ujamaa (economia cooperativa), nia (propósito), kuumba (criatividade) e imani (fé) definem os princípios essenciais do Kwanzaa, que são exaltados nos sete dias da festividade. Nesse período, depois que o sol se põe, as pessoas se reúnem à volta de uma mesa, onde são servidos alimentos da terra e velas coloridas são acesas, criando o ambiente para a reflexão em torno de cada princípio.

Os sete princípios

É sob um clima de fraternidade entre as pessoas que, a cada dia do Kwanzaa, um dos princípios da celebração é analisado e debatido entre os presentes, criando assim inspirações para que todos sejam praticados ao longo do ano que está começando.

  • Umoja celebra a unidade entra as pessoas. Em suaíli, significa Eu Sou Nós ou Eu Sou porque Nós Somos, o que valoriza o indivíduo e a coletividade.
  • Kujichagulia fala da autodeterminação que deve existir na hora de definir quais são os interesses comuns. A partir dessa autodeterminação serão tomadas as decisões, de acordo com os interesses da família e da comunidade.
  • Ujima estimula o trabalho coletivo e a responsabilidade. Nesse sentido, cada pessoa assume a obrigação pessoal com o passado, com o presente, com o futuro e com o papel que ela deve desempenhar na comunidade e na família nestas situações.
  • Ujamaa exalta a força da economia cooperativa. O termo enfatiza a importância das necessidades comuns e o quanto o apoio mútuo pode ser construtivo.
  • Nia busca a finalidade da união entre as pessoas. Esse princípio encoraja o indivíduo a olhar para dentro de si, permitindo que ele crie metas pessoais que sejam favoráveis ao bem coletivo.
  • Kuumba enaltece a criatividade própria de cada pessoa, que é tão útil para manter a comunidade viva e forte.
  • Imani, por fim, exalta a fé que devemos ter em nós mesmos e nos outros, valorizando a autoestima e a confiança na capacidade individual e coletiva para obter sucesso.

Mesmo que, em sua forma ritual, o Kwanzaa não seja praticado, nos símbolos que a celebração contém podem estar muitas das respostas que as pessoas buscam nesta época do ano. A partir destas, talvez seja possível encontrar valores sobre os quais um novo ano possa ser construído, trazendo as transformações positivas que tanto necessitamos.

 

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