Cidadania

AnchiHeros: os defensores do Bowl do Anchieta

Se você já parou observar um grupo de skatistas exercitando suas manobras é provável que tenha percebido o forte espírito solidário que une quem pratica o esporte. Pois foi com esse espírito que o skate se consolidou como o mais coletivo dos esportes individuais e foi dessa forma que ele chegou ao Anchieta, ainda na década de 1970.

No bairro, o skateboard encontrou terreno fértil para evoluir, a ponto de viabilizar a construção do lendário Bowl do Anchieta, inaugurado em 1980 no então Parque Julien Rien (atual Monsenhor Expedito D’Ávila). Hoje, é esse mesmo espírito que caracteriza o AnchiHeros, um movimento de skatistas que tem como objetivo principal a preservação e a divulgação daquela estrutura, que é referência em Belo Horizonte.

Crew

Adotado por praticantes de esportes radicais para identificar grupos unidos por uma paixão comum, o termo crew, que significa “equipe” em inglês, é a forma como a AnchiHeros se estrutura: como uma grande equipe de apaixonados pelo skate. Segundo o tatuador Dirceu Leão, que é um dos fundadores do movimento, a crew do Anchieta foi criada logo após a pandemia da Covid-19, quando ele e dois amigos também skatistas — o publicitário Leonardo Moreira, o Leo, e o empresário Rafael Magalhães, o Phantom — notaram que o Bowl do Anchieta precisava de atenção. “Nós moramos próximos ao Parque Monsenhor Expedito e, naquela ocasião, percebemos que o Bowl precisava de alguns reparos, pois vinha sendo pouco utilizado”, ele explica.

De acordo com Leão, a primeira atitude foi criar o perfil @anchierosbh, no Instagram —assim mesmo, sem o “H” —, que hoje também é uma marca de moda urbana que gera recursos para as ações do AnchiHeros (com H). Logo em seguida, o trio foi juntando skatistas em um grupo no WhatsApp, criando ali o meio para as conversas em torno das necessidades do Bowl. “O feedback foi muito positivo. Hoje somos 42 pessoas no grupo, onde debatemos nossas ideias em um ambiente muito descontraído”, diz.

Seis gerações

Um ano mais velho do que o Bowl, que está completando 45 anos em 2025 , Leão conta que lembra do tempo de criança, quando passava pelo Parque com a mãe e via toda a galera com a energia lá no alto. “O barulho das rodinhas me marcou fortemente. Hoje, vejo que todos os meus amigos contam uma história semelhante”, revela.

Dos veteranos dos anos 1980, que hoje ultrapassam a casa dos 60 anos, até a turma da atualidade, cinco gerações de skatistas fizeram a história do Bowl do Anchieta e uma sexta já está mandando bem nas manobras. “Minha filha, Maia Leão, com 11 anos, se tornou minha parceira de skate. É lindo de ver a galera dessa idade no rolê. Diversão gratuita, na rua, sem celular! Na outra ponta, o Ratão (Elton Oliveira), Lóis (Luiz Bicalho), Deco (André) e Tom (Helton Andrade), todos com mais de 60 anos, são nossas referências de alegria”, festeja Leão, destacando sêniors do skate que continuam na ativa.

Maia, a filha de Leão, comunga da alegria que marca o ambiente do skate e comemora a possibilidade de participar dessa história. “O Bowl do Anchieta é muito massa. Eu adoro. Eu me divirto muito nele. É uma das pistas das mais legais de BH”, ela garante.

Para quem já pavimenta o caminho para o futuro do skate na região, a crew que cuida daquele espaço também tem um grande mérito. “Acho a ideia da AnchiHeros muito legal. É muito criativa. É tudo muito bem feitinho. É tudo muito divertido. Eu acho muito massa”, diz Maia.

Patrimônio

O prodígio Daniel Costa, Luiz Bicalho, o primeiro skatista profissional de Minas Gerais, a pequena Lis Aspin, que, aos 11 anos, está entre as seis primeiras do ranking brasileiro, Sofia Godoy, 15 anos, top 10 em sua categoria, além de Bob Burnquist, Christian Hosoi, Mike McGill e Pedro Barros são alguns dos skatistas renomados que, de acordo com Leão, já esbanjaram habilidade no Bowl do Anchieta, ajudando a consagrá-lo como um importante patrimônio do esporte nacional. “O Bowlzão continuará lendário, pois seu tamanho é grande e sua forma peculiar. Adoraríamos vê-lo reconhecido como patrimônio cultural e pretendemos divulgar sua história, para que seja conhecido pelo mundo como ele merece”, planeja o skatista.

Leão entende que, junto a essa ideia, é importante que o Parque Monsenhor Expedito D’Ávila, como um todo, receba maior atenção da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), inclusive nas formas de destinação dos espaços ali existentes. “Tem uma pequena quadra no parque, por exemplo, que está em desuso. Seria ótimo uma pista de skate para iniciantes nela. Traria um bom movimento, considerando que o Bowlzão é uma pista para high performance”, observa.

Atento a tudo o que cerca o Bowl, o skatista reconhece o esforço das pessoas que cuidam do parque e percebe a importância de ter a comunidade próxima das atividades que são desenvolvidas ali. “Precisamos agradecer ao Gilmar, à Liege e a toda a equipe (de manutenção) do parque, que é cuidado com muito amor por essas pessoas. Também ficamos felizes demais com a aproximação da galera da Amoran”, afirma.

Segundo Leão, a AnchiHeros está de braços abertos para acolher quem quiser iniciar no skate ou praticar suas habilidades no Bowl, mas faz uma alerta. “Não é recomendável andar de skate sozinho no Bowlzão, por causa de sua profundidade. O grupo do WhatsApp é uma ferramenta fundamental para essa organização”, ele diz
O skatista destaca ainda que os rolês são aleatórios e acontecem quase que diariamente, com uma movimentação especial aos sábados. Além de praticar as próprias manobras, é nessas ocasiões que o grupo acolhe novos integrantes, ocupando e preservando o espaço público de forma solidária e responsável. “O skate é um estilo de vida que qualquer pessoa pode praticar. É só nos procurar”, convida Leão.