Saúde & Qualidade de Vida

Segunda onda da Covid-19 depende da população e das autoridades brasileiras

O inverno ainda não chegou no hemisfério norte, mas nos Estados Unidos e em parte da Europa a tão temida segunda onda da Covid-19 já fez com que a contaminação pelo novo coronavírus, na média, voltasse a 50% dos níveis que foram atingidos no momento de pico da doença, que por lá ocorreu durante a primavera. Com a tendência de, com o tempo frio, as pessoas passarem mais tempo em locais fechados, o que favorece a transmissão, e com a possibilidade de haver mutações no vírus, há uma grande preocupação por parte das autoridades sanitárias quanto aos estragos que a nova elevação das taxas de contágio pode causar.

Cabe lembrar que bem antes do vírus criar o alarme no Brasil, recebemos os avisos que vieram do norte e que ouvidos pela maior parte da população. Agora, surgem as dúvidas: será que a segunda onda também vai nos afetar e, se afetar, qual será a medida do novo surto?

Confira o que dizem os especialistas

A segunda onda vir, mas com menor força do que no norte

Para o médico Márcio Bittencourt, pesquisador da Clínica Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, com base no histórico de pandemias passadas, era se esperar que a Covid-19 também apresentasse uma segunda onda. “Se avaliarmos as oito principais pandemias deste tipo desde 1700, notamos que ao menos sete tiveram mais que uma onda em alguma parte do mundo. Isso aconteceu com a Gripe Russa (de 1889 a 1890), com a Gripe Espanhola (entre 1918 e 1919), com a Gripe Asiática (de 1957 a 1958), a Gripe de Hong Kong (em 1968 e 1969), e, mais recentemente, a Gripe Suína (em 2009). Vale destacar que as pandemias anteriores foram por influenza e talvez nem todas as correlações ocorram da mesma forma”, avalia Bittencourt.

Segundo o médico, há um conjunto de fatores que podem gerar uma segunda onda, que incluem a duração da imunidade nas pessoas que já foram contaminadas, mutação do vírus, insuficiência das medidas de proteção — como as de isolamento social, que podem ter sido interrompidas precocemente — e sazonalidades. “Na Europa, por exemplo, os picos são no outono e inverno. Já no Brasil, varia de acordo com a região. No Norte e Nordeste em períodos mais chuvosos, no Sudeste e no Sul nas estações mais frias”, diz.

Portanto, para Bittencourt ainda não seria possível responder com precisão se haverá de fato uma segunda onda no país. “É possível que tenhamos uma segunda onda nos períodos de transmissão mais intensa de vírus respiratórios no Brasil no ano que vem. Apesar disso, se uma proporção grande da população já tiver sido infectada, esta segunda onda pode não ser intensa, ainda mais se continuarmos com uma transmissão intensa na comunidade até lá. Mas, se a segunda onda ocorrer, a intensidade e gravidade do surto dependerão da nossa capacidade de aplicar medidas de intervenção e controle de forma mais intensa e adequada que na primeira onda”, considera.

Podemos evitar o pior

Para o médico infectologista Sérgio Botti, tudo leva a crer que a segunda onda na Europa surgiu em função do afrouxamento nas medidas de distanciamento social e de uso de máscaras. “O retorno das atividades escolares e universitárias também parece que auxiliou. Em contribuição, a surdez dos governantes aos clamores da saúde pública e da epidemiologia para reforçarem as estratégias de testes em maior volume e rastreamento de contatos, além de reintroduzir as restrições aos primeiros sinais de crescimento da pandemia – ações efetivas de vigilância epidemiológica”, explica o especialista.

O pesquisador Christovam Barcellos, da Fiocruz, entende que no Brasil poderemos contar com um tempo, que coincidirá com o verão, para que nos antecipemos na adoção de várias medidas que podem ajudar a conter uma segunda onda da doença. Segundo Barcellos, estas medidas incluem o incentivo à proteção individual, de reestruturação do serviço de saúde, a intensificação da testagem e a identificação das populações mais vulneráveis, entre outras. “Também podemos preparar uma estratégia para vacinação e impedir ou desestimular as aglomerações durante o verão, que é muito comum na praia, encontros de família, como no Natal, que devem ser práticas evitadas de qualquer maneira, para a gente não ter surto nos próximos meses”, diz.

Barcellos considera que, além da maior testagem da população, a Europa oferece um exemplo de vigilância forte a ser seguido. “Na Inglaterra, se detecta até alguns bares que podem estar sendo fonte de transmissão e há a intervenção sobre esses bares”, exemplifica. Para o pesquisador, agindo nesse sentido, a tradição em vigilância sanitária do SUS precisa ser utilizada e aperfeiçoada durante o verão, a fim de preparar o país para uma possível segunda onda.

O comportamento das pessoas fará a diferença

Francisco Gonzalez, pesquisador da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que é especializado no Brasil, considera que o comportamento da população e o posicionamento das autoridades ditarão o futuro da pandemia no país. “A probabilidade de uma segunda onda no Brasil depende de como as autoridades e a sociedade vão tratar da questão. A mensagem deve ser de que as pessoas precisam continuar obedecendo regras, como usar máscaras, manter o distanciamento social e lavar as mãos com frequência. Com fortes medidas de saúde pública observadas por toda a sociedade uma segunda onda poderá ser evitada”, acredita.

Segundo Gonzalez, o calor do verão não exercerá qualquer influência sobre a capacidade de propagação do vírus, que continuará oferecendo riscos a quem se expuser a uma pessoa infectada, mesmo que ela não apresente sintomas. Tendo em vista as festas de final de ano e a período que tradicionalmente favorece as viagens no país, o pesquisador entende que o maior ou menor nível de possibilidade de uma segunda onda surgir por aqui vai depender do comportamento das pessoas. “Com muita gente se reunindo sem manter o distanciamento social ou fazendo aglomerações, há mais chances de o número de casos aumentar bastante. Em todas as ocasiões, também é importante usar máscaras”, alerta.