Saúde & Qualidade de Vida

O epidemiologista Márcio Bittencourt esclarece a confusão em torno da eficácia da Coronavac

Junte uma falha na comunicação dos responsáveis pela vacina no Brasil com a disposição de um grupo em desinformar a população e está formada a confusão em torno da Coronavac. Felizmente, o imbróglio não é tão grande que não possa ser desfeito e foi com essa intenção que o médico epidemiologista Márcio Sommer Bittencourt publicou em sua conta no Twitter uma explicação sobre os testes com o imunizante do laboratório chinês Sinovac, que no Brasil será produzido pelo Instituto Butantan.

Vamos a ela!

Ensinando o corpo

O primeiro destaque dado por Bittencourt diz respeito ao papel de uma vacina, que é de “ensinar” o corpo a reagir a um inimigo, como é o coronavírus. Nesse aspecto, o epidemiologista deixa claro: “Tem vacina que te ensina tudo, tem vacina que te ensina menos”.

No Twitter, o epidemiologista Márcio Bittencourt elogiou os resultados da Coronavac (Imagem: Reprodução Twitter)

Ou seja, como temos acompanhado pelos noticiários, tem vacina que é mais eficiente e tem vacina que é menos eficiente. Para entender o que é eficiência neste caso é preciso responder a algumas perguntas.

De acordo com o médico, a primeira delas é “qual a dosagem necessária para que uma vacina ensine o corpo a se defender?”. Nesse quesito a Coronavac passou no teste. Segundo a revista The Lancet,a vacina obteve 97% de suficiência na produção de anticorpos com uma dosagem de 3 µg (microgramas) após a aplicação da segunda dose no intervalo de 28 dias.

A segunda pergunta seria: “qual a segurança da vacina?”. De acordo com a mesma The Lancet e com os próprios resultados obtidos nos testes do Butantan a vacina é segura. Durante os testes, houve relatos mais frequentes de cefaleia e dor local após aplicação e outros episódios mais esparsos, mas que não comprometeram os critérios de segurança do produto.

Por fim, a terceira pergunta, que foi respondida na fase 3 de testes e que foi justamente a que causou maior confusão nos últimos dias é: “a vacina ajuda ao corpo a se defender do vírus?”. De acordo com o Bittencourt, os testes do Butantan indicam que sim e ele acrescenta: “Os resultados da Coronavac são muito bons!”.

Afinal: 100%, 78%, ou 50%?

O problema todo com a real eficácia da vacina surgiu da maneira equivocada que o Instituto Butantan e o Governo do Estado de São Paulo escolheram para divulgar os resultados dos testes. Enquanto as autoridades de saúde esperavam uma divulgação sobre os resultados globais — ou seja, sobre todos tipos de ocorrências envolvendo a Coronavac —, optou-se por divulgar os números relacionados à eficácia da vacina para evitar ocorrências graves, moderadas e leves. Assim, foram deixados de lado outros episódios, que incluem os casos muito leves da doença, o que não retrata a eficácia global da vacina.

Os testes mostraram que nenhuma das pessoas que foram vacinadas com a Coronavac desenvolveu a doença em sua forma mais grave, o que leva aos tais 100% de eficácia para esses casos (veja na tabela a escala de gravidade da Covid-19, baseada nos critérios da Organização Mundial de Saúde – OMS). Ao mesmo tempo, 78% dos vacinados não desenvolveram nem mesmo as formas leves.

Mas, e os tais 50,4% da eficácia global anunciados? Este número foi encontrado como resposta a uma questão de critério estatístico e não basta uma conta simples para desvendá-lo.

Hazard Ratio

De acordo com o Instituo Butantan, os testes com a Coronavac foram conduzidos com a participação de 9242 voluntários, entre os quais 4653 receberam a vacina real, enquanto 4599 foram inoculados com uma substância placebo. Dos vacinados, 85 contraíram a Covid em alguma forma, enquanto no grupo placebo o número de contaminados foi de 167 pessoas.

Considerando que o número de vacinados é próximo ao dos voluntários que tomaram placebo, a primeira vista, alguém mais apressado pode concluir que a eficácia da vacina foi de 50,9% (85 x 100 ÷ 167). Porém, a coisa não é tão simples assim.

A partir de uma metodologia mais elaborada, que utiliza a fórmula abaixo e que compara a proporção de pessoas que desenvolveram sintomas entre os vacinados e os que tomaram placebo, a eficácia ficaria em 49,6%. Portanto, aquém do mínimo de 50% recomendado pela OMS.

Porém, o Instituto Butantan informou que o método de cálculo utilizado para obter a eficácia da Coronavac, denominado Hazard Ratio, também considera o tempo de acompanhamento do voluntário ao longo do estudo, o que inclui o período em que ele não apresentou os sintomas da doença. Portanto, os 50,4% — ou exatos 50,38% divulgados pela instituição — foram obtidos a partir de um cálculo complexo, mais preciso, mas que necessita de uma análise mais extensa, que foge do propósito desse post.

Quanto mais melhor

Mesmo sem considerar a importante qualidade que a vacina apresenta de evitar por completo que a doença evolua para casos graves e de diminuir de maneira consistente as chances de ela atingir as pessoas em condições leves e moderadas, Márcio Bittencourt ressalta que, dada as características de custo e de conservação da Coronavac, até mesmo o resultado global de 50,4% deve ser visto como bastante positivo. Tendo em vista que o imunizante da Sinovac é mais barato (US$ 10,30) e mais fácil de distribuir do que o produto da Pfizer (US$ 19,50), por exemplo, que tem 95% de eficácia global, mas exige resfriamento especial, a possibilidade do primeiro ser aplicado em maior número de pessoas aumenta bastante.

“Sendo simplista, se vacinar 1 milhão com vacina que reduz 95% (as chances de contágio) o máximo que você protegeu foram 950 mil pessoas. Se vacinar 200 milhões com uma vacina que reduz 50% você protege até 100 milhões de pessoas. E dos que pegam a maioria nem médico precisa”, disse Bittencourt no Twitter.

Para o epidemiologista, a melhor vacina é aquela que está disponível mais rápido e que pode vacinar um maior número de pessoas, o que, diante da gravidade da situação no Brasil, é algo que merece ser considerado.