Cultura

Resiliência: psicólogo explica como é possível aprender e aumentar esta característica tão importante nos dias de hoje

Necessária e quase imposta pela pandemia, a palavra “resiliência” tem frequentado as nossas conversas e pensamentos com maior frequência do que em outras épocas. Volta e meia há alguém nos dizendo — talvez nós mesmos — que é preciso ter resiliência em tempos difíceis ou que esta ou aquela pessoa é “tão resiliente”, como se essa característica fosse algo nato, semelhante à cor dos olhos. Mas, se acordo com o pós-doutor em psicologia Saulo Velasco, a realidade não é esta.

Na física, a resiliência diz respeito à capacidade que um objeto tem de voltar ao normal, após sofrer uma deformação (Imagem: Freepik)

Em declaração à Revista Consumidor Moderno, Saulo destacou que, de fato, existem pessoas mais resilientes do que outras. Porém, como se trata de uma habilidade emocional, ela pode ser aprendida e aumentada, como qualquer outra. “Todo mundo pode aprender ferramentas, técnicas de agir, de pensar, que nos tornam mais resilientes”, disse o psicólogo, que é especializado em técnicas para o desenvolvimento de habilidades cognitivas.

Persistência tem limite

Saulo ainda chamou a atenção para um erro comum que é cometido entre grande parte das pessoas, que acaba confundido resiliência com a persistência indefinida e que associa a desistência ao fracasso. “Isso tem a ver com a nossa cultura, especialmente no último século. Vivemos uma valorização absoluta do sucesso em que as pessoas estão o tempo inteiro escondendo suas fragilidades e vulnerabilidades”, explica.

O psicólogo entende que esse padrão cultural é ressaltado nas redes sociais. “Temos pouca familiaridade com o reconhecimento legítimo das nossas dificuldades, fragilidades e limites. Desistir tem a ver com identificar o seu limite, com o autoconhecimento de seus limites físicos, morais, éticos, psicológicos”, considera.

Contudo, para Saulo, a desistência pode ser vista como uma resposta importante para situações em que as mudanças não são mais possíveis. “Há, no entanto, um outro ponto: muitas vezes a gente desiste não porque determinado empreendimento é muito difícil, mas porque ele é mais difícil do que eu estava esperando. Às vezes temos expectativas de que vamos passar por determinados estágios da vida sem que haja qualquer percalço ou obstáculo no caminho. E, quando eles aparecem, começamos a pensar que está tudo errado e não deveríamos ter entrado nessa. Estávamos otimistas de maneira ingênua”, observa.

Sete tópicos

O psicólogo destacou sete tópicos que podem ajudar as pessoas a lidarem melhor com o conceito de resiliência e com as formas de adotá-lo positivamente

  1. O conceito “resiliência”
    Tão repetida nos dias atuais, a palavra resiliência vem do latim resilio, que significa recuperar. Na física diz respeito à característica de um corpo que é capaz de voltar ao estado natural, após sofrer uma deformação. “O conceito de resiliência na psicologia é muito similar: tem a ver com a nossa capacidade de resistir, de nos recuperarmos de situações difíceis e voltarmos aos nossos trilhos, ao curso normal da nossa vida”, explica Saulo.
    Entretanto, de acordo com o psicólogo, resiliência não significa esquecer uma situação difícil vivida e simplesmente seguir adiante. A ideia é de voltar ao curso normal da vida, sem permitir que a tal situação nos deforme.
  2. A resiliência pode ser aprendida
    “A resiliência não é um traço de personalidade, não é um dom ou um padrão fixo de comportamento. Ela é fluida, dinâmica, muda de tempos em tempos, e de acordo com o contexto. Ou seja, tem muito a ver com essas experiências de vida”, diz o psicólogo.
  3. A resiliência pode ser aumentada
    “Por exemplo, se eu tenho uma história pessoal de desamparo, qual é a solução para isso? Aumentar a minha ação no mundo. Se começo a experimentar soluções para problemas novos, quanto mais tento agir no meu mundo, maiores as chances de eu interromper ou mudar o curso de ações em torno de mim”, diz o psicólogo.
    De acordo com Saulo, a psicoterapia ajuda a aumentar a resiliência. “A gente pode começar, de certa forma, a aceitar mais os nossos sentimentos, humores e pensamentos negativos”, diz ele.
  4. Saber lidar com as perdas também aumenta a resiliência
    “Quando a gente sofre uma perda muito grande (…) ficamos sofrendo e remoendo aquela perda. Ficamos presos e não deixamos aquilo ir embora. Uma parte importante para cultivar a resiliência é fazer o luto por essa perda, lamentar, sofrer esse sofrimento, mas entender que acabou. É importante dar um fim naquilo para, então, seguir”, recomenda o psicólogo.
  5. A resiliência e o cuidado com o corpo e com a mente são ações interligadas
    “Vários estudos de psicologia, psiquiatria e neurociência mostram que estabelecer conexões sociais profundas aumentam a resiliência dos indivíduos de um grupo. Agora, por ocasião da pandemia, por exemplo, a gente precisou fazer isolamento social, distanciamento, mas quem conseguiu manter conexões sociais saudáveis, mesmo que à distância, quem manteve uma rede de apoio, tendeu a ser mais resiliente. E cuidar do nosso próprio corpo, se alimentar bem, fazer exercícios físicos, dormir bem, tudo isso nos torna mais resilientes porque, hoje em dia, sabe-se que mente e corpo são uma coisa só, é preciso estar atento aos dois”, considera Saulo.
  6. Evitar situações tóxicas
    Tolerar situações tóxicas não é sinal de resiliência. Pelo contrário. “A resiliência não deve ser, de forma alguma, uma desculpa ou justificativa para se aceitar violências, relações tóxicas ou situações abusivas. Quanto mais resiliente eu sou, maior é a minha capacidade de abrir mão de relações desse tipo e seguir o meu curso de vida”, explica.
    O psicólogo destaca que, ao contrário, a pessoa pouco resiliente acaba se submetendo a estas situações.
  7. Resiliência também é saber desistir
    De acordo com Saulo, em determinadas situações, a persistência pode ser um traço do resiliente. “Como essa da pandemia, em que é necessário ser persistente com o uso de máscaras, com a higiene das mãos, a gente precisa ser teimoso com relação a manter o distanciamento social”, explica.
    Porém, há outras contrárias, em que a desistência também é a atitude mais correta. “Existem também outros tipos de dificuldade que a gente não deveria mais insistir, e isso tem a ver com a compreensão do grau de controle que se tem sobre isso ou não. A resiliência deve me ajudar de novo a sair dessa situação, abrir mão dela se for possível e buscar novos caminhos, outras rotas para a vida”, conclui o psicólogo.