Cidadania

05 questões sobre a desinformação e algumas respostas para elas

por Carlos Alberto Rocha*

Atualmente, vivemos um contrassenso que deve merecer o máximo de atenção por parte da sociedade. Em uma época em que o acesso à informação está tão disponível e facilitado quanto jamais esteve no passado, estamos cada vez mais expostos à desinformação.

À primeira vista, esta pode parecer uma questão menor para a vida prática, mas não é. Afinal, não estamos sendo atacados pela intriga que, desde sempre, a velha e clássica fofoca é capaz de criar. A grande ameaça à sociedade, que tem sido motivo de alerta em várias frentes, está na desinformação ampla, generalizada, que tem confundindo vários processos fundamentais para a segurança da humanidade e até para a sobrevivência do nosso planeta.

Por isso, é indispensável que todas as pessoas procurem entender mais de perto a questão e a gravidade que ela representa. Nesse sentido, é conveniente que sejam esclarecidos alguns pontos.

1. O que é desinformação?

O conceito de desinformação não é exatamente o oposto ao de informação, uma vez que, no final das contas, a primeira ideia também remete à segunda. Ainda que seja da pior espécie, desinformação é um tipo de informação.

Contudo, quando não comunica uma mentira deliberada, a desinformação busca alterar os fatos, suprimindo-os, minimizando sua importância ou modificando significados e sentidos. Outra possibilidade é a de tentar maximizar algo que, normalmente, não teria tanta importância.

O sensacionalismo jornalístico é um exemplo clássico desse último tipo de desinformação.

2. E quais seriam os objetivos da desinformação?

São vários, que podem surgir de iniciativas deliberadas ou como resultado de enganos, movido por processo de desinformação anterior. O jornalismo sensacionalista, por exemplo, tem como objetivo puro e simples atrair mais audiência para determinada matéria ou para um veículo. O objetivo da pessoa que retransmite uma mensagem falsa, por sua vez, pode ser de também o de causar sensação ou, com boa intenção, de disseminar algo que acredite ser útil para outras pessoas.

Contudo, basicamente, a intenção de quem desinforma em primeira instância costuma ser confundir o público ou induzir decisões que sejam convenientes a determinadas causas. Em geral, como resultado, o que se pretende é prejudicar a disseminação de ideias, forjar outras ou mesmo formar uma imagem distorcida de pessoas, de um grupo social, de organizações e até de países inteiros.

Quem cria a desinformação acredita que alcançará algum tipo de dividendo para si, para outra pessoa, para um grupo de pessoas ou para a organização que representa ou defende. Tal dividendo pode ser de qualquer natureza — política, financeira, de poder etc..

3. A fake news é um tipo de desinformação?

De fato, para simplificar, seria possível dizer que uma notícia falsa, ou fake news, é uma desinformação. Entretanto, pelo ponto de vista ético e literal, seria impossível considerar que a mentira e que a distorção proposital de um fato possam ser tomadas como formas de notícia, uma vez que há aí um conflito de significados.

Afinal, a notícia deve, por natureza, comunicar uma realidade. Não resta dúvidas de que é possível e até provável que, ao longo do processo de comunicação, haja alguma alteração no conteúdo de um relato, o que acaba criando uma imagem do fato real. Entretanto, deve haver um esforço permanente para que sejam minimizadas as alterações, tentando assim fazer com que a imagem que é transmitida represente de forma mais fiel possível o quadro que foi originalmente coletado.

Não é por acaso que o termo “repórter” é adotado para definir a pessoa que transporta uma informação de um lado a outro, o que deve ser feito sem que haja alteração do fato transportado, o que é necessário para que se crie uma notícia verdadeira. Sendo assim, jamais a distorção deliberada de uma informação ou a invenção de outra qualquer que não corresponda à verdade pode ser considerada uma notícia.

Esse argumento é corroborado pelo livro Jornalismo, Fake News & Desinformação – Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2019, que oferece uma análise consistente sobre o tema da desinformação. Para Cherlyn Ireton e Julie Posetti, editoras do manual cuja elaboração contou com a participação de vários autores, os termos fake news, notícia falsa e todos os demais que têm os mesmos significados em qualquer outra língua, configuram oxímoros. Ou seja, dizem respeito a uma a união de palavras que não se combinam no sentido e que, na essência, têm significados incongruentes e contraditórios.

Portanto, como uma das grandes ferramentas da desinformação, a fake news apresenta uma contradição em si mesma. É como falar em “água seca”, em “gelo quente” ou em “fogo frio”.

4. Por que a desinformação é tão perigosa?

Imagine que, por pura maldade ou por mero engano, alguém venha lhe dizer que uma panela daquelas antigas, toda de metal, que acaba de sair do fogo, está fria e que você pode pegá-la com segurança, mesmo com as mãos desprotegidas. Ora, se seguir a informação falsa, além de derrubar tudo o que estiver na panela, você vai acabar ganhando uma dolorosa queimadura.

Em escalas maiores, desde a antiguidade, a história está repleta de exemplos dos impactos provocados pela desinformação. Nos atendo aos séculos 20 e 21, do ódio aos judeus incitado pela propaganda nazista nos anos 1930, passando pelo transe coletivo de assassinatos e de suicídios provocado em 1978 pelo pastor norte-americano Jim Jones, até chegar à invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003 e também a fatos mais recentes, muita mentira foi contada com a intenção de induzir pessoas, organizações e governos a agirem de acordo com propósitos ocultos.

Esta é uma situação que também estamos vivendo no presente, em um momento muito particular da história, quando uma decisão errada de apenas uma pessoa pode literalmente matar. Afinal, se um indivíduo resolve tomar como verdadeira uma desinformação que invalide as medidas de prevenção à Covid-19 — como a de evitar aglomerações, por exemplo —, ele pode contrair o vírus, adoecer gravemente e, eventualmente, até morrer. Mais do que isso, é possível que ele contamine outras pessoas, contribuindo para que o a doença continue se disseminando e espalhando o sofrimento e a morte.

O tema é tão preocupante que o Conselho de Ciência e Segurança dos Cientistas Atômicos, organização responsável pelos ajustes anuais do famoso Relógio do Juízo Final, classifica a desinformação ao lado das ameaças nucleares e tecnológicas e das mudanças climáticas como uma das grandes ameaças que colocam em risco a existência da humanidade e a sobrevida do nosso planeta.

5. Como posso combater a desinformação?

No Brasil, o tema da desinformação está no foco do Projeto de Lei (PL) nº 2630, de 2020, que tramita no Senado Federal visando instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Mais conhecida como a Lei das Fake News, o PL tem como objetivo coibir essa prática na web.

De fato, desde que o texto final resguarde os direitos fundamentais à liberdade de expressão e que combata verdadeiramente a desinformação, a nova lei pode vir a ser uma boa aliada da sociedade na luta contra as notícias falsas ou distorcidas. Contudo, nenhuma legislação é capaz de garantir que um crime não seja cometido.

Além disso, a desinformação não circula somente pela internet. Ela pode estar na declaração de uma personalidade pública em um noticiário na TV, em uma simples conversa por telefone ou transitar em outras formas de comunicação.

Portanto, o posicionamento crítico, o bom senso, e, principalmente, a busca por informação que tenha boa qualidade são os meios mais eficazes de enfrentamento deste grave problema.

Para praticar o bom senso, procure desconfiar de tudo aquilo aparente ser um absurdo, que contrarie a lógica ou que subverta a racionalidade. Ainda que estejamos vivendo em um mundo cada vez mais confuso, situações atípicas não devem merecer crédito logo à primeira vista.

Adotando o bom senso você será capaz de assumir um posicionamento crítico, o que permitirá uma avaliação sobre a qualidade das fontes que estão lhe transmitindo a informação. Nesse momento, procure conhecer os antecedentes questione se as fontes são verdadeiramente confiáveis..

Nesse aspecto, considere que uma pessoa próxima, por mais séria e honesta que seja, não deve ser considerada uma boa fonte com base somente nestas características. Afinal, ela também pode ser uma vítima da desinformação que, com a melhor das intenções, esteja passando para frente algum conteúdo falso que tenha recebido.

Se desconfiar de determinada fonte, procure por outras verdadeiramente credíveis, que possam confirmar ou não  a informação recebida. No caso da pandemia, por exemplo, profissionais que são especializados em infectologia e em epidemiologia são os mais indicados para tratar do assunto do que qualquer outra pessoa.

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Por fim, considere que a maior parte das pessoas que retransmitem a desinformação também está no grupo das vítimas. Elas devem ser alertadas tanto para os riscos que elas mesmas estão correndo quanto para a ameaça que representam para toda a sociedade, caso escolham fazer parte do processo de disseminação da falsidade.

 

* Carlos Alberto é jornalista